sábado, 12 de março de 2011

O trem de alta velocidade da Embraer | Brasilianas.Org

Luis Nassif online:

"O trem de alta velocidade da Embraer
Enviado por luisnassif, sab, 12/03/2011 - 17:23

Por Homero Pavan Filho

Trem de alta velocidade tira mercado dos aviões

Entidade mundial de ferrovias entregou um estudo à Embraer

Aeronaves da brasileira atendem setor (de até 600 km de distâncias) em que esse tipo de trem começa a se expandir

DIMMI AMORA
DE BRASÍLIA

Terceira maior fabricante de aviões comerciais do mundo, a Embraer começou a discutir a produção de trens de alta velocidade no Brasil.
No início de março, a empresa convidou Iñaki Barron, diretor de alta velocidade da UIC (Organização Mundial de Ferrovias), para falar sobre o tema em sua fábrica em São José dos Campos (SP).
Os temas discutidos no encontro ficaram em torno do avanço do mercado de trens-bala sobre a aviação regional, principal mercado da Embraer, e absorção da tecnologia de produção de trens de alta velocidade pelo país.
A Embraer informou por meio da assessoria de imprensa que não tem estudos sobre o tema e que é normal chamar especialistas para dar palestras a seus funcionários. Durante o encontro, não se falou em participação da empresa no leilão da primeira linha do país (Campinas-SP-RJ), previsto para abril deste ano.
Segundo estudos da UIC, apresentados à Embraer e depois num seminário realizado em São Paulo, até 2025 a rede de trens de alta velocidade deve passar dos cerca de 14,7 mil quilômetros atuais para próximo de 36 mil quilômetros no mundo.
E o principal mercado desses trens são as distâncias de até 600 quilômetros, muitas delas atendidas hoje por aviões comerciais fabricados pela Embraer.
Esse setor responde por 58% da receita da empresa -que em 2009 foi de R$ 10,8 bilhões-, sendo quase tudo do mercado externo. Nas distâncias até 600 quilômetros, os trens roubaram, nas linhas já existentes na Europa e na Ásia, entre 50% e 90% dos passageiros de aviões.
Além da linha Campinas-São Paulo-Rio de Janeiro, o governo já iniciou estudos para outros três trechos: São Paulo-Curitiba, São Paulo-Belo Horizonte e Campinas-Triângulo Mineiro.
Somente entre São Paulo e as outras três capitais, o número de passageiros transportados por avião em 2009, segundo dados da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), foi de quase 6,5 milhões (cerca de 13% do total).

TECNOLOGIA
Outro tema tratado no encontro foi a absorção de tecnologia de fabricação dos trens pelo Brasil. Pelas regras do leilão da primeira linha, quem vencer a concorrência do trecho Campinas-SP-RJ terá que ceder a tecnologia ao governo federal.
O governo pretende criar uma empresa pública, a Etav, para receber essa tecnologia. E já afirmou que vai fazer parcerias para distribuí-la para centros de pesquisa e empresas instaladas no país com a intenção de ter um trem nacional. Novas linhas que venham a ser feitas no Brasil já teriam a tecnologia brasileira.
Um trem de alta velocidade para 350 passageiros custa em média 23 milhões (cerca de R$ 60 milhões) e sua manutenção demanda um pouco mais que o custo da compra durante a vida útil de 30 anos.
Hoje há 2.500 trens desse tipo em operação no mundo e 15 empresas de oito países fabricam o produto, segundo dados da UIC. Um avião EMB-195, o maior da Embraer, com até 122 lugares, custa cerca de US$ 40 milhões (R$ 66 milhões) -inclui parte da manutenção.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me1203201102.htm

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sexta-feira, 11 de março de 2011

Risco Moral exige regulação da riqueza

Carta Maior - Economia 
 
Bancos centrais preferem lidar com as consequências das explosões de bolhas minimizando seus prejuízos sobre a economia real. O melhor modo de impedir esses problemas é monitorar e concentrar-se nas implicações dos preços de ativos sobre padrão de gastos dos consumidores. A variável que por si só tende a ser o candidato principal para esse fim é a riqueza líquida do setor privado. Essa razão é a variável ideal para monitorar (ou controlar) “bolhas” que estão no centro dos mecanismos de transmissão dos preços dos ativos e das dívidas de consumo. O artigo é de Philip Arestis e Elias Karakitsos.

Philip Arestis e Elias Karakitsos (*) - Especial para Carta Maior

Sobre o Especial 'Fome e Desordem Financeira Global'

A maioria dos grandes bancos centrais tem aversão a salvar banqueiros quando bolhas de ativos estouram, mas, ultimamente, como detentores da custódia do sistema financeiro, eles têm de fazer exatamente isso. Eles justificariam suas ações como derivadas do objetivo de evitar que o estouro da bolha contamine a economia. A intenção pode ser diferente, mas o resultado é o mesmo: especuladores, investidores descuidados e bancos são resgatados. Uma abordagem muitíssimo melhor é os bancos centrais ampliarem seu escopo e focarem na riqueza do setor pessoal, usando taxas de juros tanto na alta, como na baixa de um ciclo.

Uma “meta de riqueza” não impediria o livre funcionamento do sistema, enquanto lida com as consequências da subida ou da queda do preço de ativos na economia, uma vez que ela não se concentra nos preços dos ativos – ações ou imóveis. Ela também lida com o problema da regulação de liquidez, que está no coração da crise atual e resulta da securitização, sem interferir na engenharia financeira dos bancos. Não se pode ser simpático com aqueles que argumentam que, quando as bolhas estouram, os bancos centrais não deveriam resgatar investidores descuidados ou banqueiros que encorajaram a venda dessas ações na subida do ciclo. Pois se o fazem, só encorajam a aposta em bolhas futuras, enquanto os investidores estarão certos de que na queda seriam resgatados pelos bancos centrais.

Os bancos centrais compartilham essas preocupações, mas como detentores da custódia do sistema financeiro eles têm de agir quando os mercados estão disfuncionais. Na crise atual eles injetaram liquidez temporária e providenciaram empréstimos a bancos em dificuldades. Inicialmente resistiram a reduzir as taxas que tornariam a injeção temporária de liquidez permanente. Mas não resgataram o sistema quando a explosão da bolha começou a contaminar a economia real. Somente depois que os índices de emprego despencaram, o FED e outros bancos centrais cortaram as taxas substancialmente. Muita gente agora sente mal estar com as baixas taxas de juros, mas os bancos centrais insistirão na distinção de que não se trata de resgate, mas ação para evitar que a explosão da bolha imobiliária afunde a economia na recessão. A intenção pode ser diferente, mas o resultado é o mesmo: especuladores, investidores descuidados e bancos serão resgatados.

Isso levanta a questão de se o foco dos bancos centrais na inflação não é muito estreito. As pessoas na verdade argumentam que o foco do FED em outras coisas que não o mercado imobiliário deu-nos a sobrevalorização do mercado imobiliário nessa década, cujo desdobramento afundou a economia estadunidense e colocou outras em recessão. A experiência de muitos países, inclusive é claro os EUA, mostra que o controle bem sucedido da inflação nos preços ao consumidor não garante a queda dos preços dos ativos. A confiança do argumento pode ser sucintamente sumarizada como um “paradoxo de credibilidade”, implicando que: “quanto mais um banco central consiga manter os preços estáveis, mais provavelmente há uma sinalização de aquecimento da economia, que aparecerá primeiro nas bolhas de ações”, como sustentou o BIS. Bancos centrais reagem diferentemente a essas acusações. O Banco do Japão acredita que a baixa nas taxas de juros e nas expectativas de que a taxa manter-se-á baixa por um longo período poderiam levar a um aquecimento dos mercados financeiro e imobiliário. Na Europa, o presidente do Banco Central Europeu defende mais atenção a itens como o crescimento do crédito e a disponibilidade de moeda, além dos preços ao consumidor. Esse tipo de política pode ser inadequada, como mostra a crise atual, por causa da engenharia financeira. Mas no Reino Unido e nos EUA os bancos centrais são menos relutantes em adotar, implícita ou explicitamente, metas para os preços dos ativos.

O argumento padrão contra a meta para os preços dos ativos é que ela impede o livre funcionamento dos mercados financeiros ou da economia como um todo. Mais ainda, está fora do âmbito dos bancos centrais, como resultado da “exuberância irracional” ou do reflexo das forças do mercado, e, então, uma política monetária proativa exigiria credibilidade para controlar os agentes de mercado. Bancos centrais preferem lidar com as consequências das explosões de bolhas minimizando seus prejuízos sobre a economia real. O sucesso de Greenspan depois da explosão da “nova bolha tecnológica” funcionou como credencial para essa abordagem que tem sido adotada por todos os quatro maiores bancos centrais. Mas a atual crise da bolha imobiliária é agora vista como o resultado das bem sucedidas políticas que Greenspan perseguiu na primeira metade dos anos 2000, as quais impediram que o estouro da bolha da “nova tecnologia” levasse a economia norte-americana a passar por uma depressão ao estilo daquela dos anos 1930.

O modo de impedir esses problemas é monitorar e concentrar-se nas implicações dos preços de ativos sobre padrão de gastos dos consumidores. A variável que por si só tende a ser o candidato principal para esse fim é a riqueza líquida do setor privado. Patrimônio líquido é definido como ativos menos obrigações do setor pessoal. Os ativos incluem tanto bens financeiros como tangíveis. As obrigações financeiras do setor pessoal incluem todas as formas de dívida, hipotecas, assim como crédito ao consumidor para todos os propósitos. Embora no curto prazo a razão entre riqueza líquida e renda disponível possa flutuar amplamente, no longo prazo ela é mais estável, como mostra o número de anos que as famílias levam para comprar uma casa e construir a riqueza financeira que financiaria tanto o consumo para o resto de suas vidas quanto para a herança para terceiros. Essa razão não pode sofrer tendência de queda nem de alta no longo prazo, pois implicaria mudanças nos hábitos de poupança entre gerações. Ademais, essa razão é a variável ideal para monitorar (ou controlar) “bolhas” que estão no centro dos mecanismos de transmissão dos preços dos ativos e das dívidas de consumo.

Para a economia dos EUA o padrão médio da riqueza líquida desde o fim da Segunda Guerra Mundial está em torno de cinco vezes a renda disponível. No ápice da bolha hipotecária o patrimônio líquido alcançou o pico do período pós-Segunda Guerra Mundial, acima de 6,2, tornando transparente a “bolha”. Ela foi deflacionada quando o preço das ações desmoronou, mas uma nova bolha de quase mesma magnitude emergiu por causa do mercado imobiliário. O FED pode ter uma meta de variação para a riqueza líquida em, digamos, 4,3 – 5,3 vezes a renda disponível anual. A meta de variação pode ser revisada para dar conta de dados demográficos e até anunciada pelos bancos centrais em caso do estabelecimento de expectativa de inflação no preço dos ativos. Assim, a política monetária deveria ser ajustada à medida que a razão entre riqueza líquida e renda disponível superar esse limiar, e vice-versa. Isso levaria a um boom no preço dos ativos, mas evitaria que se tornassem “bolhas” que finalmente estourariam com graves consequências adversas para a economia como um todo. Uma abordagem dessa também ajudaria a regular a engenharia financeira. A securitização implica uma transferência de risco dos bancos para o setor pessoal e torna os bancos mais dispostos tanto a emprestar como a vender ações seguradas ao setor pessoal. É essa engenharia financeira que permitiu que o mercado imobiliário dos EUA se tornasse uma “bolha”. A engenharia financeira é tão complexa que os bancos centrais têm certa dificuldade para medir, monitorar e controlar a liquidez total na economia.

O propósito da engenharia financeira é contornar as regulações existentes e permitir o financiamento da “bolha”. A maior parte do tempo requerido seria destinado para instrumentos financeiros novos e novas estruturas corporativas, como as Obrigações Securitizadas (CDOs). Mais ainda, o crédito novo não será registrado no volume dos agregados monetários e, portanto, os condutores da política econômica serão incapazes de detectá-lo em tempo hábil para prevenir a criação de uma “bolha”. Nem toda engenharia financeira levaria a “bolhas” e seria errado acabar com elas por medo de haver “bolhas”. Os reguladores encontrariam dificuldade em identificar os novos instrumentos financeiros e as novas estruturas corporativas. Para quaisquer taxas, eles sempre cairiam nas garras da engenharia financeira. Grupos de interesse resistiram às medidas regulatórias mesmo se os condutores da política econômica estiverem cientes do que está se passando. Haveria sempre o risco de que instituições financeiras migrassem para países sem regulação e então encontrassem, nesses países, maneiras de se adequarem à nova regulação aplicada. Uma meta na riqueza vai checar as consequências dessa liquidez, ao passo que não impedirá a engenharia financeira dos bancos.

(*) Philip Arestis, University of Cambridge and University of the Basque Country.

Elias Karakitsos, Guildhall Asset Management Ltd

Tradução: Katarina Peixoto



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quarta-feira, 9 de março de 2011

Michael Moore: "Fomos vítimas de um golpe de Estado financeiro"

Carta Maior - Internacional :

"Michael Moore: 'Fomos vítimas de um golpe de Estado financeiro'
Para nós, admitir que deixamos um pequeno grupo roubar praticamente toda a riqueza que faz andar nossa economia, é o mesmo que admitir que aceitamos, humilhados, a ideia de que, de fato, entregamos sem luta a nossa preciosa democracia à elite endinheirada. Wall Street, os bancos, os 500 da revista Fortune governam hoje essa República – e, até o mês passado, todos nós, o resto, os milhões de norte-americanos, nos sentíamos impotentes, sem saber o que fazer. Ninguém saiu às ruas. Não houve revolta. Até que...começou! Em Wisconsin! O artigo é de Michael Moore.

Michael Moore



Discurso proferido por Michael Moore, dia 5 de março, durante manifestação em Madison, Wisconsin, contra o pacote de medidas contra o funcionalismo e o serviço público proposto pelo governador republicano Scott Walker (com cortes de US$ 1,6 bilhão no orçamento de escolas e governos locais). Intitulada 'Os Estados Unidos não estão falidos', a declaração lida por Moore está disponível na íntegra no site do cineasta. Publicamos a seguir a tradução em português:

Os Estados Unidos não estão falidos
Ao contrário do que diz o poder, que quer que vocês desistam das pensões e aposentadorias, que aceitem salários de fome, e voltem para casa em nome do futuro dos netos de vocês, os EUA não estão falidos. Longe disso. Os EUA nadam em dinheiro. O problema é que o dinheiro não chega até vocês, porque foi transferido, no maior assalto da história, dos trabalhadores e consumidores, para os bancos e carteiras dos hiper mega super ricos.

Hoje, 400 norte-americanos têm a mesma quantidade de dinheiro que metade da população dos EUA, somando-se o dinheiro de todos.

Vou repetir. 400 norte-americanos obscenamente ricos, a maior parte dos quais foram beneficiados no ‘resgate’ de 2008, pago aos bancos, com muitos trilhões de dólares dos contribuintes, têm hoje a mesma quantidade de dinheiro, ações e propriedades que tudo que 155 milhões de norte-americanos conseguiram juntar ao longo da vida, tudo somado. Se dissermos que fomos vítimas de um golpe de estado financeiro, não estamos apenas certos, mas, além disso, também sabemos, no fundo do coração, que estamos certos.

Mas não é fácil dizer isso, e sei por quê. Para nós, admitir que deixamos um pequeno grupo roubar praticamente toda a riqueza que faz andar nossa economia, é o mesmo que admitir que aceitamos, humilhados, a ideia de que, de fato, entregamos sem luta a nossa preciosa democracia à elite endinheirada. Wall Street, os bancos, os 500 da revista Fortune governam hoje essa República – e, até o mês passado, todos nós, o resto, os milhões de norte-americanos, nos sentíamos impotentes, sem saber o que fazer.

Nunca freqüentei universidades. Só estudei até o fim do segundo grau. Mas, quando eu estava na escola, todos tínhamos de estudar um semestre de Economia, para concluir o segundo grau. E ali, naquele semestre, aprendi uma coisa: dinheiro não dá em árvores. O dinheiro aparece quando se produzem coisas e quando temos emprego e salário para comprar coisas de que precisamos. E quanto mais compramos, mais empregos se criam. O dinheiro aparece quando há sistema que oferece boa educação, porque assim aparecem inventores, empresários, artistas, cientistas, pensadores que têm as ideias que ajudam o planeta. E cada nova ideia cria novos empregos, e todos pagam impostos, e o Estado também tem dinheiro. Mas se os mais ricos não pagam os impostos que teriam de pagar por justiça, a coisa toda começa a emperrar e o Estado não funciona. E as escolas não ensinam, nem aparecem os mais brilhantes capazes de criar mais e mais empregos. Se os ricos só usam seu dinheiro para produzir mais dinheiro, se de fato só o usam para eles mesmos, já vimos o que eles fazem: põem-se a jogar feito doidos, apostam, trapaceiam, nos mais alucinados esquemas inventados em Wall Street, e destroem a economia.

A loucura que fizeram em Wall Street custou-nos milhões de empregos. O Estado está arrecadando menos. Todos estamos sofrendo, como efeito do que os ricos fizeram.

Mas os EUA não estão falidos, amigos. Wisconsin não está falido. Repetir que o país está falido é repetir uma Enorme Mentira. As três maiores mentiras da década são: 1) os EUA estão falidos, 2) há armas de destruição em massa no Iraque; e 3) os Packers não ganharão o Super Bowl sem Brett Favre.

A verdade é que há muito dinheiro por aí. MUITO. O caso é que os homens do poder enterraram a riqueza num poço profundo, bem guardado dentro dos muros de suas mansões. Sabem que cometeram crimes para conseguir o que conseguiram e sabem que, mais dia menos dias, vocês vão querer recuperar a parte daquele dinheiro que é de vocês. Então, compraram e pagaram centenas de políticos em todo o país, para conduzirem a jogatina em nome deles. Mas, para o caso de o golpe micar, já cercaram seus condomínios de luxo e mantêm abastecidos, prontos para decolar, os jatos particulares, motor ligado, à espera do dia que, sonham eles, jamais virá. Para ajudar a garantir que aquele dia nunca cheguasse, o dia em que os norte-americanos exigiriam que seu país lhes fosse devolvido, os ricos tomaram duas providências bem espertas:

1. Controlam todas as comunicações. Como são donos de praticamente todos os jornais e redes de televisão, espertamente conseguiram convencer muitos norte-americanos mais pobres a comprar a versão deles do Sonho Americano e a eleger os candidatos deles, dos ricos. O Sonho Americano, na versão dos ricos, diz que vocês também, algum dia, poderão ser ricos – aqui é a América, onde tudo pode acontecer, se você insistir e nunca desistir de tentar! Convenientemente para eles, encheram vocês com exemplos convincentes, que mostram como um menino pobre pode enriquecer, como um filho criado sem pai, no Havaí, pode ser presidente, como um rapaz que mal concluiu o ginásio pode virar cineasta de sucesso. E repetirão essas histórias mais e mais, o dia inteiro, até que vocês passem a viver como se nunca, nunca, nunca, precisassem agitar a ‘realidade’ – porque, sim, você – você, você mesmo! – pode ser rico/presidente/ganhar o Oscar, algum dia!

A mensagem é clara: continuar a viver de cabeça baixa, nariz virado para os trilhos, não sacuda o barco, e vote no partido que protege hoje o rico que você algum dia será.

2. Inventaram um veneno que sabem que vocês jamais quererão provar. É a versão deles da mútua destruição garantida. E quando ameaçaram detonar essa arma de destruição econômica em massa, em setembro de 2008, nós nos assustamos.

Quando a economia e a bolsa de valores entraram em espiral rumo ao poço, e os bancos foram apanhados numa “pirâmide Ponzi” global, Wall Street lançou sua ameaça-chantagem: Ou entregam trilhões de dólares do dinheiro dos contribuintes dos EUA, ou quebramos tudo, a economia toda, até os cacos. Entreguem a grana, ou adeus poupanças. Adeus aposentadorias. Adeus Tesouro dos EUA. Adeus empregos e casas e futuro. Foi de apavorar, mesmo, e nos borramos de medo. “Aqui, aqui! Levem tudo, todo o nosso dinheiro. Não ligamos. Até, se quiserem, imprimimos mais dinheiro, só pra vocês. Levem, levem. Mas, por favor, não nos matem. POR FAVOR!'

Os economistas executivos, nas salas de reunião e nos fundos rolavam de rir. De júbilo. E em três meses lá estavam entregando, eles, uns aos outros, os cheques dos ricos bônus obscenos, maravilhados com o quão perfeita e absolutamente haviam conseguido roubar uma nação de otários. Milhões perderam os empregos: pagaram pela chantagem e, mesmo assim, perderam os empregos, e milhões pagaram pela chantagem e perderam as casas. Mas ninguém saiu às ruas. Não houve revolta.

Até que... COMEÇOU! Em Wisconsin!

Jamais um filho de Michigan teve mais orgulho de dividir um mesmo lago com Wisconsin!

Vocês acordaram o gigante adormecido – a grande multidão de trabalhadores dos EUA. Agora, a terra treme sob os pés dos que caminham e estão avançando!

A mensagem de Wisconsin inspirou gente em todos os 50 estados dos EUA. A mensagem é “Basta! Chega! Basta!” Rejeitamos todos os que nos digam que os EUA estão falidos e falindo. É exatamente o contrário. Somos ricos! Temos talento e ideias e sempre trabalhamos muito e, sim, sim, temos amor. Amor e compaixão por todos os que – e não por culpa deles – são hoje os mais pobres dos pobres. Eles ainda querem o mesmo que nós queremos: Queremos nosso país de volta! Queremos, devolvida a nós, a nossa democracia! Nosso nome limpo. Queremos de volta os Estados Unidos da América.

Não somos, não queremos continuar a ser, os Estados dos Business Unidos da América!

Como fazer acontecer? Ora, estamos fazendo aqui, um pouco, o que o Egito está fazendo lá. E o Egito faz, lá, um pouco do que Madison está fazendo aqui.

E paremos um instante, para lembrar que, na Tunísia, um homem desesperado, que tentava vender frutas na rua, deu a vida, para chamar a atenção do mundo, para que todos vissem como e o quanto um governo de bilionários lá estava, afrontando a liberdade e a moral de toda a humanidade.

Obrigado, Wisconsin. Vocês estão fazendo as pessoas ver que temos agora a última chance de vencer uma ameaça mortal e salvar o que nos resta do que somos.

Vocês estão aqui há três semanas, no frio, dormindo no chão – por mais que custe, vocês fizeram. E não tenham dúvidas: Madison é só o começo. Os escandalosamente ricos, dessa vez, pisaram na bola. Bem poderiam ter ficado satisfeitos só com o dinheiro que roubaram do Tesouro. Bem se poderiam ter saciado só com os empregos que nos roubaram, aos milhões, que exportaram para outros pontos do mundo, onde conseguiam explorar ainda mais, gente mais pobre. Mas não bastou. Tiveram de fazer mais, queriam ganhar mais – mais que todos os ricos do mundo. Tentaram matar a nossa alma. Roubaram a dignidade dos trabalhadores dos EUA. Tentaram nos calar pela humilhação. Nos tiraram a mesa de negociações!

Recusam-se até a discutir coisas simples como o tamanho das salas de aula, ou o direito de os policiais usarem coletes à prova de balas, ou o direito de os pilotos e comissários de bordo terem algumas poucas horas a mais de descanso, para que trabalhem com mais segurança para todos e possam fazer melhor o próprio trabalho –, trabalho que eles compram por apenas 19 mil dólares anuais.

Isso é o que ganham os pilotos de linhas curtas, talvez até o piloto que me trouxe hoje a Madison. Contou-me que parou de esperar algum aumento. Que, agora, só pede que lhe deem folgas um pouco maiores, para não ter de dormir no carro entre os turnos de voo no aeroporto O'Hare. A que fundo do poço chegamos!

Os ricos já não se satisfazem com pagar salário de miséria aos pilotos: agora, querem roubar até o sono dos pilotos. Querem humilhar os pilotos, desumanizá-los e esfregar a cara dos pilotos na própria vergonha. Afinal, piloto ou não, ele não passa de mais um sem-teto...

Esse, meus amigos, foi o erro fatal dos Estados dos Business Unidos da América. Ao tentar nos destruir, fizeram nascer um movimento – uma revolta massiva, não violenta, que se alastra pelo país. Sabíamos que, um dia, aquilo teria de acabar. E acabou agora, já começou a acabar.

A mídia não entende o que está acontecendo, muita gente na mídia não entende. Dizem que foram apanhados desprevenidos no Egito, que não previram o que estava por acontecer. Agora, se surpreendem e nada entendem, porque tantas centenas de milhares de pessoas viajam até Madison nas últimas semanas, enfrentando inverno brutal. “O que fazem lá, parados na rua, com vento, com neve?” Afinal... houve eleições em novembro, todos votaram... O que mais podem desejar?!” “Está acontecendo algo em Madison. Que diabo está acontecendo lá? Quem sabe?”

O que está acontecendo é que os EUA não estão falidos. A única coisa que faliu nos EUA foi a bússola moral dos governantes. Viemos para consertar a bússola e assumir o timão para levar o barco, agora, nós mesmos.

Nunca esqueçam: enquanto existir a Constituição, todos são iguais: cada pessoa vale um voto. Isso, aliás, é o que os ricos mais detestam por aqui. Porque, apesar de eles serem os donos do dinheiro e do baralho e da mesa da jogatina, um detalhe eles não conseguem mudar: nós somos muitos e eles são poucos!

Coragem, Madison, força! Não desistam!

Estamos com vocês. O povo, unido, jamais será vencido.

Tradução: Coletivo Vila Vudu

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As verdades sobre a Venezuela

Record rompe cadeia de mentiras sobre Venezuela | Blog da Cidadania:

"É preciso mensurar a importância da série de reportagens que o jornalista Luiz Carlos Azenha fez para a TV Record sobre a Venezuela e que começou a ser apresentada nesta semana no telejornal da noite da emissora.

O título da série de reportagens é mais do que sugestivo: “Venezuela – um vizinho desconhecido”. Na verdade, o título bem poderia ser “um vizinho mal-conhecido”, pois os brasileiros, durante a última década, vêm recebendo, sim, freqüentes informações sobre o país, mas deturpadas.

A Globo, principalmente, vive apresentando matérias sobre a Venezuela. Todavia, são matérias que induzem a uma crença totalmente falsa sobre o país governado pelo presidente Hugo Chávez desde 1999, de que seria uma “ditadura” na qual o povo sofre.

Na série que a Record está apresentando, ainda que sem informações privilegiadas tenho certeza de que mostrará – como já mostrou alguma coisa nos dois primeiros capítulos – a imensa obra social que fez da Venezuela o país que mais avançou no IDH das três Américas na década passada.

Além do avanço social venezuelano sob Hugo Chávez, a série deverá mostrar como é mentirosa a afirmação da grande imprensa de que o país seria uma “ditadura”, pois tem um sistema político livre, com eleições limpas e sem absolutamente nenhuma censura.

Conhecendo o jornalista que fez a série de reportagens, porém, tenho certeza de que não deixará de apresentar o lado negativo do governo Chávez, tal como o uso do Estado como se fosse seu ou de seu partido.

Fato sobre a Venezuela totalmente reprovável é o uso de tevês públicas para proselitismo político em favor do governo ou para atacar seus adversários, pois o espectro eletromagnético, por onde trafegam as ondas de rádio e tevê, pertence a todos, inclusive aos que desaprovam o governo.

O culto à personalidade de Chávez usando recursos públicos é outro fator inaceitável. Como sempre digo, não se dá dez passos em Caracas, por exemplo, sem deparar com a imagem do presidente venezuelano. Quem paga por isso? Quem gosta e quem não gosta dele.

Muito provavelmente, porém, a série da Record, para ser correta, também deverá explicar as razões que levaram a esse estado de coisas. O complô de 2002 para derrubar o governo, estabelecido entre a mídia, grandes empresários e alguns setores minoritários das forças armadas, não poderá ficar de fora.

Apesar de estes fatos serem fartamente conhecidos por quem lê blogs políticos, o que precisa ser destacado é que as revelações que a série da Record fará romperão uma cadeia de mentiras da grande imprensa brasileira sobre o país vizinho.

Ao conhecerem programas sociais e bem-estar social, que mesmo com a inflação alta ainda são enormes naquele país, os brasileiros fatalmente farão o “link” com o que diz a mídia sobre o assunto Venezuela há anos. Ainda que inconscientemente, muitos sentir-se-ão ludibriados.

Não deixem de assistir a essa série de reportagens. Constitui um marco no jornalismo brasileiro, a ruptura de uma rede de mentiras que nunca antes neste país vi ocorrer nesse dimensão, pois demonstrará quantas mentiras uma Globo contou durante anos.

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segunda-feira, 7 de março de 2011

Carta Maior - Internacional - Brasil - Estados Unidos: a rivalidade emergente

Carta Maior - Internacional - Brasil - Estados Unidos: a rivalidade emergente: "Brasil - Estados Unidos: a rivalidade emergente
Ao acompanhar a evolução das relações do Brasil com os EUA, no período examinado por Moniz Bandeira, vemos que, de um lado, elas se entrelaçam e incidem sobre a aspiração de parte significativa da elite dirigente brasileira de promover o desenvolvimento industrial. Esta aspiração se confronta periodicamente com a política americana que decorre de sua convicção de que o desenvolvimento brasileiro teria de ser o resultado natural da ação das forças de mercado. Portanto, não necessitaria, nem deveria, ser estimulado ou conduzido pelo Estado brasileiro, a não ser para este adotar políticas de liberalização do comércio exterior e dos fluxos de ingresso e saída de capitais. O artigo é de Samuel Pinheiro Guimarães.

Samuel Pinheiro Guimarães

Prefácio de Samuel Pinheiro Guimarães ao livro 'Relações Brasil-EUA no Contexto da Globalização: Rivalidade Emergente' (Editora Senac), de L.A. Moniz Bandeira. O livro dá seqüência ao balanço sobre as relações entre o Brasil e os Estados Unidos, iniciado com a publicação do primeiro volume, dedicado ao estudo da Presença dos EUA no Brasil, e que abarca o tempo histórico que vai desde o Brasil Colônia até a República. Passa pela era Vargas e a queda de Goulart. Este volume - 'Rivalidade Emergente' - vai até 1995, mostrando como as relações Brasil-EUA continuam a ser alternadamente amistosas e conflitantes.

Prefácio: Doces Ilusões, Duras Realidades

'Você tem de dar-lhes um tapinha nas costas e fazer com que eles pensem que você gosta deles'.
J.Foster Dulles, Secretário de Estado, 1953-59 (1)

A construção da hegemonia americana

1. Para compreender os episódios que se sucedem nas relações entre o Brasil e os Estados Unidos é necessário examinar a natureza dessas relações. Esta somente pode ser entendida quando vista no contexto da estratégia mundial de política externa americana, traçada e desenvolvida a partir dos resultados da Segunda Guerra Mundial. É preciso notar que, até 1939, a política americana nunca havia sido de fato isolacionista, não intervencionista. Porém, seu ativismo se dirigia e se limitava à conquista do Oeste americano, à incorporação, por compra, de territórios como a Flórida e a Louisiana e, em seguida, à consolidação da área de influência no grande “mar americano”, o Caribe. O México perdeu 2/3 de seu território para os Estados Unidos na guerra de 1846/48, provocada pelos Estados Unidos. A Nicarágua foi ocupada militarmente pelos Estados Unidos durante 21 anos; o Haiti, durante 19 anos. Cuba, Filipinas e Porto Rico foram ocupados após a derrota da Espanha na guerra provocada pelos Estados Unidos, em 1898. Ao final, os Estados Unidos haviam, praticamente, eliminado a presença e a influência das potências européias na região.

Somente após 1945 os Estados Unidos deixariam de ser uma potência regional e passariam a ser uma potência com interesses mundiais, i.e. uma potência com interesses em cada continente, quase se poderia dizer em cada Estado. É verdade que a expedição do Comandante Perry ao Japão, em 1848, assim como o apoio às atividades missionárias na China, anunciavam o interesse americano pela Ásia. Mas era na Ásia incipiente essa presença.

2. Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos emergiram como a maior potência militar, política, econômica, tecnológica e ideológica do mundo. Essa hegemonia era absoluta diante das nações derrotadas, destruídas e ocupadas, Alemanha, Japão e Itália; de extensos impérios coloniais, desmoralizados e combalidos, o francês e o britânico; de uma potência rival, em termos de organização social, política e econômica, a União Soviética, forte pela ocupação da Europa Oriental e debilitada pela devastação nazista, que deixara 20 milhões de mortos, e a economia abalada pelo esforço de guerra. A capacidade que parecia ter a União Soviética de competir e de enfrentar os Estados Unidos, e que parecia se tornar cada vez mais irresistível com a expansão do campo socialista após 1945, era aparente, como iria se revelar aos poucos, até culminar com a derrota pacífica, em 1991.

3. Diante desse extraordinário e glorioso, porém desafiador cenário mundial de 1945 os Estados Unidos viriam a definir os grandes objetivos e as grandes diretrizes de sua política externa. Em síntese, esses objetivos eram e são: manter e ampliar sua hegemonia política; manter e ampliar sua hegemonia militar; manter e ampliar sua hegemonia econômica; manter e ampliar sua hegemonia ideológica.

4. Em 1945, a decisão estratégica fundamental adotada pelos Estados Unidos foi preferir criar um sistema de organismos internacionais para, através deles, promover e manter sua hegemonia e expandir seus ideais, ao invés de procurar fazê-lo diretamente, o que implicaria elevadíssimos custos e o freqüente uso de força militar. Esses organismos viriam a ser de caráter universal, como as Nações Unidas e suas agências, inclusive o Fundo Monetário Internacional – FMI e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD; ou de caráter regional, tais como a Organização dos Estados Americanos – OEA, a Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN, o Tratado de Segurança Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos – ANZUS e a Organização do Tratado do Sudeste Asiático – SEATO, ou de caráter bilateral. Todos, de uma forma ou de outra, com sua origem na experiência do passado e nos ideais americanos de governança mundial, defendidos por Woodrow Wilson, em 1919, e incorporados ao tratado que criou a Liga das Nações, rejeitado pelo Senado americano. O pano de fundo dessa estratégia viria ser o confronto com a União Soviética, (que detonaria a arma nuclear em 1949), com base na Doutrina Truman, de contenção do comunismo, inspirada nas idéias de George Kennan, em seu artigo assinado Mr. X, publicado em 1947.

5. Ao implementar essa estratégia de múltiplas facetas e jogada em muitos tabuleiros de negociação, de ação e também de subversão, em todas as regiões e continentes, os Estados Unidos procuram evitar a emergência de Estados que possam se contrapor à sua hegemonia mundial ou regional. Sempre que necessário, procuram enfrentar e derrotar aqueles que à sua hegemonia se oponham, de modo total ou parcial, e assim dificultem ou impeçam o seu pleno exercício.

6. Ainda que em vários desses confrontos e embates, alguns armados, os Estados Unidos pudessem, à primeira vista, parecer ter sido derrotados, pelo menos em algumas instâncias como, por exemplo a do Vietnã, seus interesses viriam a prevalecer no médio prazo. Após a desmoralizante derrota militar americana, o novo Vietnã, unificado e comunista, viria a adotar, depois de alguns anos, um modelo capitalista, aberto às mega-empresas multinacionais, inclusive americanas. A República Popular da China é caso semelhante em que, após longo período de enfrentamentos se inicia, por decisão chinesa, um processo de reforma econômica que leva a uma simbiose com os Estados Unidos e na China se organiza um regime cada vez mais capitalista e aberto às mega-empresas americanas. O fim da hegemonia americana, que se exerce de formas variadas e complexas, ainda é um mito e uma ilusão perigosa.

7. Na área militar, os Estados Unidos tornaram permanentes, de forma muitas vezes desconhecida, a presença de suas tropas e de suas armas, inclusive nucleares, fora de seu território nacional, em países tais como a Alemanha, a Bélgica, a Itália, a Grécia, a Turquia e a Holanda. Seu controle militar se realiza através de uma rede de bases terrestres, de frotas navais e de acordos militares bilaterais ou regionais, como a OTAN, alguns hoje desativados, mas não todos, como o acordo militar com o Japão e o acordo ANZUS. O programa recente de instalação de um “escudo de mísseis” na Europa Oriental, oficialmente dirigido contra o Irã e outras ameaças difusas, como o terrorismo, causa grande inquietação na Rússia e revela a determinação americana de manter e expandir sua hegemonia militar na Europa.

8. Por outro lado, de forma sistemática, os Estados Unidos procuraram criar mecanismos nacionais e internacionais de controle de transferência de tecnologia militar ou dual. Agem com tenacidade e persistência para promover a não-proliferação de armas de destruição em massa, i.e. a posse de armas por terceiros países enquanto não promovem o (seu próprio) desarmamento, como prometeram ao assinar o TNP. Sofisticam cada vez mais suas armas o que aumenta o hiato de poder militar, entre eles e os demais países, e ampliaram seu sistema de tratados de cooperação e assistência militar, base jurídica que permitiria justificar eventuais ações militares.

9. Assim, intervieram militarmente, sob variados pretextos, em todos os continentes: na República Dominicana, na Guatemala, no Vietnã, na Nicarágua, em Granada, no Panamá, no Líbano, no Iraque, na Somália, no Afeganistão etc. em uma longa lista de países que, de uma forma ou outra, se opuseram, com maior ou menor tenacidade, ao exercício de sua hegemonia, ou com o objetivo de fazer com que as pressões e eventuais intervenções viessem a servir de exemplo para Estados que parecessem ter a intenção de alcançar maior independência.

10. Não houve, praticamente, nenhum ano em que os Estados Unidos não estivessem em guerra, maior ou menor, desde 1945. Sempre que possível procuraram o aval e a autorização prévia de organizações internacionais de caráter universal, como o Conselho de Segurança da ONU, ou regional como a OEA e o CARICOM, ou de tratados bilaterais. Quando isto se revelou difícil ou impossível agiram unilateralmente, com a busca de apoio, ainda que simbólico, de outros países. No Iraque, a título de exemplo desse apoio simbólico, no momento da invasão, em 2003, os Estados Unidos tinham 148.000 homens e a segunda maior força era a do Reino Unido com 45.000 homens, seguida de contigentes muito menores de outros países. É preciso notar que os Estados Unidos não participam de nenhuma organização militar ou de nenhuma operação militar multilateral ou de coalizão em que suas tropas se submetam a comando estrangeiro.

11. Na economia, os Estados Unidos, confiantes na capacidade de competir de suas grandes empresas, que viriam a se tornar mega empresas multinacionais, em um mundo de economias destroçadas, em especial na Europa Ocidental, em um primeiro momento procuraram, através do BIRD e depois do Plano Marshall, reconstruí-lo e garantir o acesso a esses mercados, tanto de bens como de capitais. Viram eles no apoio aos movimentos nativos de descolonização uma oportunidade de reduzir o poder e o controle das potências coloniais e, ao mesmo tempo, de facilitar a penetração de suas mega-empresas nos mercados das futuras ex-colônias européias. Na área econômica, tem sido permanente o objetivo de garantir o acesso a matérias-primas estratégicas, como o urânio e, em especial, ao petróleo, dínamo essencial de sua economia, que se encontra na raiz das complexas questões do Oriente Próximo: Palestina, Iraque, Irã, Arábia Saudita etc.

12. Na execução de sua estratégia econômica procuram os Estados Unidos promover em todos os países a liberalização do comércio exterior e dos fluxos de capitais enquanto mantêm protegidos os seus mercados internos para aqueles setores menos competitivos, a começar pela agricultura. Isto sempre ocorreu, e os casos recentes são exemplares, como os do algodão, do suco de laranja e do etanol. Aí, perdedores em processos de arbitramento multilateral em organizações de que fazem parte, mantém suas políticas que foram consideradas ilegais. Em outra área, aplicam restrições a investimentos chineses e árabes, argüindo razões de segurança econômica e política. Sua devoção às livres forças de mercado é condicionada, portanto, a seus interesses nacionais e políticos e as vultosas operações de salvamento, pelo Estado americano, de seus bancos e mega empresas durante a crise, que se iniciou em 2008, bem confirmam esta interpretação de sua visão ideológica.

13. A restrição à difusão de tecnologia, em especial a tecnologia dual de ponta, i.e. de uso civil e militar, seria uma política indispensável para manter a hegemonia econômica e militar americana. O sistema de restrições à transferência de tecnologia sensível foi organizado tendo como o seu núcleo o Tratado de Não-Proliferação - TNP e arranjos conexos, tais como o MTCR – Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis –, o Acordo de Wassenaar, que coordena as exportações de itens de tecnologia sensível, e o NSG – Grupo de Supridores Nucleares –, e pelo permanente esforço de fortalecimento do sistema de patentes no âmbito da Organização Mundial de Comércio - OMC e de ameaças e sanções unilaterais a terceiros países, através das leis americanas de comércio.

14. Todavia, entre todos os seus objetivos de política externa o mais importante seria manter a hegemonia ideológica que fora conquistada em quase todas as sociedades devido a sua vitória sobre o hediondo regime nazista. Esta hegemonia corresponde à capacidade de convencer todos os países da superioridade do Estado americano e de sua sociedade e, em especial, a partir de 1945, em comparação com o modelo soviético; do caráter benigno, desinteressado, altruísta e sincero da política exterior americana; da eficiência superior de sua economia; da maior viabilidade de seu modelo econômico e da possibilidade de poder ser ele adotado por qualquer país.

Os abismos

15. Um indicador da crescente hegemonia política norte-americana é a ressurreição do Conselho de Segurança das Nações Unidas após a ascensão de Boris Ieltsin e Alexandre Kozirev, que alinharam a política russa à política exterior americana. Na prática, este alinhamento redundou no desaparecimento dos vetos russos, que passaram de um total de 118 no período 1945-1991 para quatro no período 1992-2009. Como resultado, os Estados Unidos obtiveram, inclusive sem a oposição da China, apoio para suas ações de punição política, através de sanções comerciais e outras de toda a ordem, com base no Capítulo VI da Carta da ONU, e de ação militar, com base no Capítulo VII. Como cada país é obrigado pela Carta a cumprir as sanções impostas pelo Conselho a terceiros países, sem ter participado do processo de decisão do Conselho de Segurança, quer estas sanções contrariem ou não os seus interesses nacionais, a nova situação ampliou o exercício da hegemonia americana, inclusive sob o manto multilateral das Nações Unidas. Em decorrência da estratégia americana, o abismo político se aprofundou.

16. O hiato militar entre, de um lado, os Estados Unidos e, de outro, todos os demais países, tomados em conjunto, cresceu de forma significativa a partir de 1945, devido a duas políticas: a primeira, a de impedir que os demais países tivessem acesso à tecnologia nuclear e à tecnologia dual e, a segunda, a de desenvolver novas tecnologias, cada vez mais sofisticadas. Estas duas políticas fizeram com que a distância entre a América, mesmo entre ela e as potências industriais, e sobretudo em relação aos países subdesenvolvidos da periferia, se ampliasse e se tornasse um abismo, quando comparada à situação em 1945.

17. Em 1988, as despesas militares americanas eram de US$ 533 bilhões. Entre 1988 e 2009 tiveram um aumento acumulado de US$ 10.376 bilhões. O segundo país em despesas militares, a URSS (mais tarde Rússia) era, em 1988, de US$ 339 bilhões. O acumulado de despesas russas entre 1988 e 2009 foi de US$ 1.683 bilhões. A distância de poder militar, medida em termos de despesas, que refletem o acúmulo e a sofisticação dos armamentos, entre os dois países aumentou de US$ 199 bilhões em 1988 para US$ 8.693 bilhões em 2009. Entre os Estados Unidos, de um lado, e todos os demais países, de outro, esta distância aumentou muito mais.

18. Nos últimos 20 anos, a distância econômica, i.e., de nível de vida médio, de quantidade de bens à disposição para consumo e produção, entre os habitantes dos países desenvolvidos e os habitantes dos países subdesenvolvidos não cessou de crescer até a crise de 2008. Em 1988, a renda per capita média dos oito principais países desenvolvidos (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Canadá e Austrália) era de US$ 18.000, e a renda média per capita dos oito principais países subdesenvolvidos (China, Índia, Brasil, Rússia, Indonésia, México, Argentina e África do Sul), era de US$ 1.300. A diferença de renda per capita era, em 1988, de US$ 16.700. Em 2008, a renda per capita média desses oito países desenvolvidos atingiu US$ 43.000 e a renda média per capita daqueles oito países subdesenvolvidos chegou a US$ 6.000. A diferença de renda per capita entre os dois grupos de países aumentou de US$ 16.700 para US$ 37.000. O abismo de renda, de nível de vida médio, se aprofundou. A hegemonia econômica americana, medida pela presença de suas mega empresas em todos os países, pela sua participação no comércio mundial, pela geração de novas tecnologias e pela dimensão de sua economia, sobrevive e se expande.

19. O abismo ideológico entre os Estados Unidos e os demais países aumentou. A criação de grandes conglomerados de entretenimento/informação; os canais globais televisivos de notícias; a desarticulação das estruturas nacionais de produção audiovisual, mesmo em países desenvolvidos; o predomínio do noticiário gerado pelas agências de notícias americanas; os vastos programas de formação educacional e profissional em todas as áreas, inclusive militar; a produção científica em termos absolutos e comparados; o número de prêmios Nobel conquistados; a capacidade de recrutar talentos em todo o mundo fazem com que a influência cultural, científica e tecnológica americana seja extraordinária, e maior do que era em 1945, devido à aceleração do progresso científico e tecnológico. O fosso aumentou e não há nenhuma outra civilização - russa, chinesa, brasileira ou japonesa - que disponha do mesmo arsenal de meios e recursos e da mesma flexibilidade do idioma e da cultura para se contrapor à americana.

A história do Brasil no contexto da hegemonia

20. Diante do amplo e complexo panorama da estratégia de implementação dessas diretrizes de política exterior americana, se colocam as relações entre o Brasil e os Estados Unidos de 1950 a 1990, documentadas, descritas e analisadas, em todas as suas peripécias e tensões, por Moniz Bandeira, em sua obra “Brasil-Estados Unidos: a Rivalidade Emergente”. Sua leitura é essencial a todos os brasileiros, políticos, diplomatas, militares, intelectuais, empresários e trabalhadores que desejarem melhor interpretar a política externa brasileira e é ela que provoca as reflexões desse prefácio.

21. Brasil e Estados Unidos são sociedades, economias e Estados que apresentam semelhanças estruturais. São países de grande dimensão territorial, semelhante e contínua. Ambos detêm em seu território uma variada gama de recursos minerais, suas agriculturas são muito produtivas e seus parques industriais, sofisticados. Brasil e Estados Unidos são países de grande população, sociedades multiétnicas, com grandes contingentes de origem européia e africana. Ambos são países democráticos e sua cultura é de origem e de matriz ocidental. O Estado brasileiro é, como o Estado americano, organizado sob a forma de federação, ainda que seu sistema jurídico seja fundado no direito romano e o dos Estados Unidos no direito anglo-saxão, cuja base é a common law, i.e., a jurisprudência e os costumes.

22. Os Estados Unidos são, desde o final do século XIX e ainda mais a partir de 1945, a maior potência econômica do mundo; seus exércitos e suas sofisticadas armas a fazem a maior potência militar do planeta; sua capacidade de gerar conceitos e de divulgá-los a tornaram a maior potência ideológica e cultural; sua criatividade e sua capacidade de atrair talentos de todas as partes a fazem a maior potência científica e tecnológica do mundo. Os Estados Unidos detêm, ademais, a moeda de reserva e de curso internacional, o dólar, e são, sem dúvida, para os grandes capitalistas, sejam eles mega empresas, mega bancos, mega fundos ou indivíduos de alta renda, o centro do sistema capitalista internacional e seu baluarte. Estes sucessos americanos se encontram, em realidade, entrelaçados. A elite americana está absolutamente convencida de que tudo o que se passa em todos os países que integram o sistema internacional é de interesse para sua sociedade e para sua sobrevivência.

Os Estados Unidos se apresentam, com tranqüilidade, segurança e auto-estima, como o país líder da civilização ocidental e, hoje, como o líder mundial de todas as nações, o Estado mais democrático, a economia mais eficiente, a potência militar mais poderosa. Por essas razões se atribuem, com naturalidade, o direito de dizer a cada país como deve se organizar econômica e politicamente e como deve orientar sua política externa. Em casos extremos, se arvoram o supremo direito de exigir que mudem de regime político e, se falham a persuasão e a cooptação, o fazem através de sua política, denominada, sem disfarces, de “regime change” (mudança de regime), em desafio aos princípios de não-intervenção e de auto-determinação, consagrados na Carta das Nações Unidas, princípios que exigem que os demais países cumpram. Os Estados Unidos são, sem sombra de dúvida, o centro do Império.

23. O Brasil, devido a circunstâncias históricas, políticas, econômicas e sociais, ainda é um país que está longe de ter desenvolvido todo o seu potencial. É um país cuja principal característica são suas extraordinárias e gritantes disparidades sociais e econômicas que fazem com que se classifique entre as quatro situações nacionais mais desiguais do mundo. O Brasil é um Estado vulnerável política e militarmente, apesar dos esforços feitos nos últimos anos e dos resultados que foram alcançados. Reduziu-se a vulnerabilidade externa, retomou-se a construção da infraestrutura física, estradas, energia, portos, e social (escolas, hospitais, etc); reduziram-se de forma radical a pobreza e a miséria e o Brasil passou, com galhardia, pela grave crise econômica e financeira, iniciada em 2008 e que ainda permanece em 2011. Enquanto os países do G-7, segundo o FMI, viram o seu PIB se reduzir em 3,5% em 2009, o PIB brasileiro caiu apenas 0,2%; enquanto os Estados Unidos perderam 7,3 milhões de empregos em 2008 e 2009, a economia brasileira gerou 2,5 milhões (e mais 2,5 milhões em 2010). O Brasil atravessa um momento de sua História em que as classes populares, conduzidas pelo PT e pelos partidos progressistas, sob a liderança do Presidente Lula, iniciaram um processo de transformação econômica, política e social para construir uma sociedade democrática de massas. Todavia, diferente dos Estados Unidos, é o Brasil um país subdesenvolvido, na periferia do sistema internacional.

24. É natural que os Estados Unidos, testemunhando a emergência de um país com a riqueza e o potencial do Brasil, se tenham sentido desafiados, quando se iniciou esse processo, por volta de 1950, com Getúlio Vargas, em sua hegemonia, que desejam incontestável nas Américas, a área geopolítica mais próxima de seu território. É natural que o Brasil, diante da aspiração e da obrigação histórica de sua sociedade de superar os desafios das desigualdades, das vulnerabilidades e da realização de seu potencial, tenha encontrado, desde que iniciou os primeiros esforços nesse sentido, a suspeita e mais tarde a rivalidade americana. Daí a propriedade do título que sintetiza a substância desta obra de Moniz Bandeira que examina esse período da história brasileira e as iniciativas de superação de sua condição de atraso e de semi-colônia: “Brasil-Estados Unidos: a rivalidade emergente, 1950-1990”.

25. O Brasil vive um momento de transformação da natureza da inserção de sua sociedade e de seu Estado no sistema internacional. A estrutura do comércio exterior se alterou, reduzindo muitíssimo a dependência da economia brasileira não só em relação a terceiros mercados como em relação a produtos específicos; os fluxos de investimento direto estrangeiro se diversificaram, com o aumento significativo da participação de capitais de novas origens; o Brasil passou de devedor a credor internacional, acumulando reservas que quase chegam a U$ 300 bilhões, maiores que as da França, da Inglaterra e da Alemanha; o Brasil passou a exportar capitais, através de empréstimos e investimentos diretos de empresas brasileiras no exterior.

26. Na política internacional, a participação do Brasil passou a ser a de um ator importante, e com presença cada vez mais solicitada, no trato político de questões como a do Oriente Próximo, do Haiti, da luta contra a pobreza, da reforma das Nações Unidas, da crise econômica internacional, da gestão do G-20 financeiro, da ação do G-20 comercial, da crise ambiental e na dinâmica política regional. Assim, o conhecimento não-midiático, não-jornalístico, das questões internacionais, da evolução da política externa brasileira e de sua estratégia se torna essencial para compreender e para participar, de forma não preconceituosa, do debate, cada vez mais intenso, sobre o novo papel internacional do Brasil.

27. O Professor Luiz Alberto Moniz Bandeira construiu, no curso de décadas, uma obra histórica que permite compreender, de um ângulo brasileiro, o sistema internacional, seu contexto e sua dinâmica e, em especial, entender o momento histórico que se inicia em 1950 quando começa a se transformar a natureza da inserção do Brasil no mundo.

28. Suas obras tratam com profundidade, e a partir da análise de extensa documentação, de temas de grande interesse para a política externa atual, desde O Expansionismo Brasileiro e a formação dos Estados na Bacia do Prata; De Martí a Fidel – a revolução cubana e a América Latina; Brasil, Argentina e Estados Unidos – conflito e integração na América do Sul; Formação do Império Americano; Fórmula para o Caos, e de tópicos da política interna e externa brasileira, tais como Presença dos Estados Unidos no Brasil (Dois séculos de história); O Governo João Goulart; As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos (De Collor a Lula) e Brasil-Estados Unidos: a rivalidade emergente, que agora é re-editada, e revista, e que trata do período que vai de 1950 a 1990. Todas obras indispensáveis para aqueles que necessitam conhecer a história recente brasileira.

29. A importância dos Estados Unidos para a economia, a política e a sociedade brasileira foi, desde a II Guerra Mundial, e ainda é, extraordinária: a recíproca nunca foi verdadeira no passado nem ainda é, mas virá a ser, no futuro, igualmente extraordinária.

30. Alguns números servem para revelar essa importância e para explicar (mas não para justificar) o comportamento de líderes políticos brasileiros em determinados momentos face às demandas e às pressões americanas. Por volta de 1950, o café representava cerca da metade das nossas exportações, enquanto que os Estados Unidos não só compravam 50% do café brasileiro como eram, ademais, o nosso principal parceiro comercial, com uma parcela de cerca de 40% do intercâmbio externo brasileiro, importações mais exportações. Por volta de 1980, noventa por cento do petróleo utilizado no Brasil era importado e o petróleo representava mais de 50% de nossas importações. As variações de seu preço tinham grande impacto, para o bem ou para o mal, sobre a economia brasileira. Naquela época, as importações americanas provenientes do Brasil representavam cerca de 2% do total das importações americanas enquanto que as exportações americanas para o Brasil representavam cerca de 1,5% do total das exportações americanas para o mundo.

31. Diante dessa situação de dependência econômica é que se pode avaliar a importância e a coragem de ações decisivas para o desenvolvimento de nosso país, como foram a de negociar a participação na Segunda Guerra Mundial em troca do financiamento da construção da Companhia Siderúrgica Nacional – CSN (o que somente ocorreu após relutante apoio americano) e a criação, por Getúlio Vargas, da Petrobrás, em 1954, essencial para alcançar a autonomia energética. Vargas, tão duramente combatido pelas mesmas correntes políticas que historicamente, e até hoje, se opõem à autonomia do Brasil, que defendem seu ingresso subordinado em outros blocos, de forma direta ou sob o eufemismo de abertura e de inserção, de qualquer forma, na globalização assimétrica e hegemônica, cujo ritmo se reduziu mas não desapareceu com a crise de 2008. Seu líder, o sociólogo e Presidente Fernando Henrique Cardoso, expressando o antagonismo das classes proprietárias tradicionais e das elites intelectuais cosmopolitas, em certo momento declarou de público: “Nosso passado político ainda atravanca o presente e retarda o avanço da sociedade. Refiro-me ao legado da Era Vargas – ao seu modelo de desenvolvimento autárquico e ao seu Estado intervencionista”!

32. Hoje, o café representa 3% das exportações brasileiras, nosso maior parceiro comercial é a China, e o nosso principal produto, tanto no caso das exportações como no das importações, não ultrapassa dez por cento do total. Os Estados Unidos têm representado, em média, nos últimos anos, cerca de 17% de nossas exportações, se não considerarmos o ano crítico de 2009. A crise econômico-financeira internacional permanece, apesar das flutuações de atividade, nada indica seu fim próximo e, pelo contrário, tudo aponta para a possibilidade de seu agravamento (ou de sua permanência, com a economia em depressão). Mesmo após o fim da crise, a participação americana na pauta comercial brasileira não deverá voltar aos seus antigos e elevados níveis.

33. A importância dos Estados Unidos para o nosso comércio exterior (e para a parte de nossas elites a ele vinculada de uma forma ou de outra) se reduziu em muito. Assim, se esvaiu aos poucos a capacidade de os Estados Unidos utilizarem contra o Brasil os mesmos instrumentos de pressão comercial e política, que haviam utilizado no caso da Lei de Informática, em 1987, ou das patentes farmacêuticas. A possibilidade de que venham a ameaçar o Brasil com sanções é remota pois sabem que, caso tentassem implementá-las, essas sanções seriam ineficazes. Àquela época, as sanções por parte dos Estados Unidos poderiam ser tão eficazes que sua ameaça fez com que as próprias elites brasileiras, através de ampla campanha de mídia, e da mobilização de intelectuais e economistas “modernos”, exigissem a revogação da Lei de Informática, o que viria a ocorrer no mandato do Presidente Fernando Collor. A partir do momento de sua posse, os “desejos” americanos foram satisfeitos em cascata, e até mesmo por antecipação, na medida em que o Governo Collor decidiu alinhar-se, sem nada obter ou pedir em troca, politicamente ao Ocidente e ao Consenso de Washington, economicamente.

34. Um comentário decorre da reflexão sobre os eventos analisados, de forma magistral, por Moniz Bandeira. O Presidente José Sarney assumiu a Presidência em momento delicado da política brasileira, e foi capaz de conduzir a transição de um regime autoritário para um regime democrático, em situação de pertinaz crise econômica. Garantiu a liberdade de imprensa, iniciou um processo de firme aproximação com a Argentina, base do futuro Mercosul, resistiu às pressões para adotar medidas de arbítrio, convocou a Assembléia Constituinte, promulgou a Constituição de 1988 e presidiu, com serenidade, uma campanha eleitoral de grande violência verbal contra si e contra sua família. Desempenhou papel fundamental, garantindo o sucesso da transição democrática, após a queda do regime civil-militar de 1964, e apoiou programas estratégicos vitais para o Brasil, como os programas nuclear, o espacial e o cibernético. Ao resistir às pressões americanas para desmantelar esses programas, contrariou poderosos interesses, econômicos e políticos, nacionais e alienígenas. Talvez esta tenha sido a razão do antagonismo sistemático que viria a permear setores da mídia contra a sua pessoa.

35. Os investimentos diretos e os financiamentos, originários dos países exportadores de capital e que se destinam aos países subdesenvolvidos, frágeis econômica e politicamente, têm sido importantes na História para construir laços de dependência econômica e política. Esses laços tornam possível, sempre que as poderosas potências credoras julgam necessário, o exercício de pressões de toda ordem sobre os países subdesenvolvidos para que estes, mais fracos e devedores, modifiquem políticas internas e posições externas, circunstâncias que ficam expostas em diversas passagens da obra de Moniz Bandeira.

36. Os investidores e financiadores da economia brasileira e de suas elites foram, até a Grande Depressão de 1929, as casas bancárias européias, em sua grande maioria inglesas. A rede de ferrovias que ligava as áreas do café do interior paulista (atividade central da política e da economia do Império e da Primeira República), aos portos de exportação, foi financiada e construída por firmas inglesas, em um regime de garantia de retorno, i.e. de garantia de lucro, do investimento estrangeiro, através da inclusão nos contratos da cláusula ouro. Foram, por essas casas, financiadas a construção dos primeiros sistemas de transporte urbano e de iluminação pública nas principais cidades do país.

37. Até a Grande Depressão não havia indústria digna desse nome no Brasil. Foi o isolamento involuntário do Brasil em relação à economia mundial entre 1929 e 1945, período em que foi reduzida e quase eliminada a possibilidade de exportar café, que tornou difícil importar e transportar bens de consumo, o que estimulou o surgimento de indústrias no país, com o objetivo de produzir bens que substituíssem aqueles importados, consumidos principalmente pelas elites e classes médias urbanas. Dessa época datam a construção da primeira hidrelétrica projetada e construída por brasileiros, Paulo Afonso, e da usina de Volta Redonda, para produzir energia e aço, pilares indispensáveis à construção de qualquer parque industrial sólido.

38. Um parêntesis aqui para uma observação heterodoxa. Todo processo de desenvolvimento econômico de um país, que corresponde ao aprendizado daquela sociedade em produzir bens, se faz pela substituição gradual de importações. Seria impossível para qualquer sociedade agrária subdesenvolvida saltar do estágio primário-exportador para o estágio de produção e exportação de produtos industriais. Aliás, o estágio primário-exportador é caracterizado em todos os países pela liberdade de câmbio e tarifas baixas (usadas apenas para fins de arrecadação), inclusive porque os bens industriais de consumo têm de ser importados, o que dificulta o surgimento de indústrias locais (e de impostos sobre essa atividade).

Assim, a idéia de alguns economistas de que os países subdesenvolvidos poderiam optar livremente entre um modelo de crescimento pelas exportações e um modelo de substituição de importações é irreal. O caminho natural do desenvolvimento se inicia pela substituição de importações e pelo fortalecimento do incipiente capital nacional, o que, de um lado, requer a proteção contra as importações estrangeiras mais competitivas e, de outro, faz surgir reclamações de nacionais importadores e de interesses estrangeiros exportadores.

39. A influência financeira americana no Brasil começa a se expandir com os primeiros empréstimos concedidos pela casa Dillon Reed, que viria a substituir os bancos ingleses, como a Casa Rothschild, enquanto que os investimentos diretos americanos viriam a substituir os capitais franceses e ingleses, que começaram a se retrair após a I Guerra Mundial, enquanto que, por breve período, surgiram os interesses alemães, em competição com os americanos. Quando as dificuldades em aumentar exportações, e assim gerar as divisas necessárias para realizar as importações de bens de capital e de bens de consumo de toda ordem, consumidos pelas elites e classes médias urbanas, tornaram necessário elevar as tarifas e implantar sistemas de administração e controle cambial, os investimentos americanos vieram para o Brasil aproveitar as oportunidades de mercado protegido que surgiram.

40. Os investimentos diretos americanos aumentaram, de forma significativa, no período entre 1945 e 1964, expandindo também sua participação no estoque de capital estrangeiro no Brasil. Nos últimos anos, a importância estratégica dos investimentos americanos na economia diminuiu devido a novos investimentos espanhóis, portugueses, e agora chineses, sendo que estes últimos já ultrapassaram a primeira dezena de bilhão de dólares. A participação do capital estrangeiro na formação de capital no Brasil não ultrapassa hoje 10%, ainda que se deva ressaltar sua importância para a transferência e assimilação de tecnologia proprietária. É verdade, por outro lado, que o aumento do estoque de capital estrangeiro dá, no futuro, origem a remessas significativas de lucros, o que é grave sempre que coincide com momentos em que o superávit comercial diminui devido à redução das exportações, ou aumento das importações o que leva a situações periódicas de dificuldades no balanço de transações correntes, em especial quando há crise econômica nos países de origem do capital.

41. Os financiamentos de organismos internacionais, que correspondiam a 1% do PIB, em 1984, não ultrapassam hoje 0,3%. A dívida externa, pública e privada, com bancos comerciais, que ameaçavam o País, e que levaram à moratória nos anos 80, não existe mais. Foi substituída pela emissão de títulos de crédito pelo Tesouro Nacional e pelas empresas e que são tomados por investidores estrangeiros às vezes institucionais, como fundos de pensão. Há forte entrada de capitais especulativos, atraídos pelas altas taxas de juro, que apesar de ser componente indesejável do ingresso de capital, devido a sua volatilidade, se tornou importante para o fechamento do balanço de pagamentos, permitindo equilibrar o déficit em transações que decorre das crescentes remessas de lucros, royalties, assistência técnica, etc.

42. No período que vai de 1950 a 1990, que Moniz Bandeira examina nesta sua obra, os empréstimos de bancos internacionais e de bancos oficiais eram essenciais para fechar as contas externas e foram instrumentos muitas vezes utilizados para procurar influenciar as políticas interna e externa brasileiras. Assim ocorreu, por exemplo, com a recusa americana de autorizar empréstimos do Fundo Monetário Internacional – FMI a Juscelino Kubitschek e a João Goulart e a de autorizá-los rapidamente a Castelo Branco e a Jânio Quadros, conforme relata Moniz Bandeira.

43. O estrangulamento cambial é hoje uma arma política impossível de ser esgrimida por qualquer país contra o Brasil. O Brasil tem reservas de quase 300 bilhões de dólares, pagou os credores oficiais que se reúnem e se coordenam no chamado Clube de Paris e resgatou os títulos da dívida pública interna denominados em dólar. O Brasil saldou sua dívida com o FMI e, portanto, não está mais sujeito à sua fiscalização e à conseqüente imposição legal (devido aos compromissos assumidos nos acordos de empréstimo) de políticas fiscais, monetárias, cambiais e outras, inclusive no campo do trabalho, que são economicamente restritivas, e desestabilizadoras social e politicamente.

44. J. Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, descreveu a política que os países desenvolvidos e os organismos internacionais, entre eles o FMI, recomendam e exigem dos países subdesenvolvidos: “Nós pregamos aos países em desenvolvimento sobre a importância da democracia, mas então, quando se trata dos temas com os quais estão mais preocupados, aqueles que afetam sua subsistência, a economia, afirmamos a eles: as leis de ferro da economia permitem a vocês pequena ou nenhuma escolha; e já que vocês (através de seu processo político democrático) provavelmente farão uma trapalhada, vocês têm de ceder as decisões econômicas-chaves, digamos aquelas concernentes à política macroeconômica, a um Banco Central independente, quase sempre dominado por representantes da comunidade financeira; e para assegurar que vocês agirão de acordo com os interesses da comunidade financeira, dizemos a vocês que devem se focar exclusivamente na inflação – não se preocupem jamais com empregos ou crescimento; e para ficarmos seguros de que vocês farão exatamente isto, dizemos a vocês para impor regras ao Banco Central, tais como expandir a oferta de moeda a uma taxa constante, e quando uma regra falha em conseguir o que se esperava, outra regra é recomendada, tal como metas de inflação” . (2)

45. Enfim, após um longo período de experimento, de crise e de estagnação neoliberal, a transformação iniciada pelo governo do Presidente Lula levou à recuperação da autonomia na política econômica, à redução da vulnerabilidade externa, à reconstrução da infra-estrutura, à construção de um mercado interno de massas, o que permite que a economia brasileira hoje se encontre menos dependente da economia internacional e menos sujeita, portanto, a pressões comerciais e financeiras de Grandes Potências, entre elas os Estados Unidos. O fato de que o grau de abertura da economia brasileira era considerado baixo em comparação com outros países e que isto seria um sinal de “atraso” segundo alguns cosmopolitas, e que, portanto, sua inserção externa seria reduzida e o Brasil seria um país “autárquico” seriam fatos que, ainda que verdadeiros, não permitem a dedução de “atraso”. Em realidade, foi esta situação de menor inserção, inclusive na fraudulenta ciranda financeira, que permitiu que nos resguardássemos dos efeitos da crise e se salvasse a economia e a sociedade brasileira de mais uma década perdida.

46. Ao acompanhar a evolução das relações políticas do Brasil com os Estados Unidos, no período examinado por Moniz Bandeira, vemos que, de um lado, elas se entrelaçam e incidem sobre a aspiração de parte significativa da elite dirigente brasileira de promover o desenvolvimento industrial. Esta aspiração se confronta periodicamente com a política americana que decorre de sua convicção de que o desenvolvimento brasileiro teria de ser o resultado natural da ação das forças de mercado. Portanto, não necessitaria, nem deveria, ser estimulado ou conduzido pelo Estado brasileiro, a não ser para este adotar políticas de liberalização do comércio exterior e dos fluxos de ingresso e saída de capitais. Desse modo, as iniciativas do Estado de procurar o desenvolvimento autônomo da economia brasileira foram vistas com preocupação e resistência pelos Estados Unidos, que se recusaram sistematicamente a financiá-las.

47. Assim ocorreu com a recusa dos Estados Unidos de estender ao Brasil, país aliado que enviara tropas em 1944 à Europa e permitira o uso de seu território pelas forças americanas durante a Segunda Guerra Mundial, os esquemas de doação de capital e de empréstimo, a juros subsidiados e condições muito favoráveis, essência do Plano Marshall, concedidos aos antigos inimigos europeus. Tal recusa causaria impacto e consternação no Brasil, mesmo em sua elite política e econômica tradicional, e levaria, inclusive, à apresentação do chamado “memorandum de frustração”, pelo Chanceler Neves da Fontoura, político conservador, às autoridades americanas, em 1953.

48. O Plano de Metas do Presidente Juscelino Kubitschek foi visto com reservas pelo governo dos Estados Unidos. As empresas americanas não se interessaram em participar, de forma significativa, das políticas de incentivo, i.e. de isenções de impostos, de importação sem cobertura cambial, de doações de terrenos etc., aos investidores estrangeiros (diferentemente das empresas européias, em especial alemãs). No campo político, a Operação Pan-Americana de Juscelino Kubitschek, inspirada pela fracassada viagem do Vice-Presidente Nixon pela América do Sul, em 1958, foi recebida com frieza pelo Presidente Eisenhower. Mais tarde J. F. Kennedy, substituindo a proposta do Brasil e distorcendo seu sentido desenvolvimentista, lançou a Aliança para o Progresso, de caráter assistencialista que, politicamente, permitiu se contrapor às mensagens da Revolução Cubana e recuperar a imagem dos Estados Unidos na região mas que, economicamente, em pouco resultou.

49. No período militar, de 1964 a 1985, os esforços brasileiros para desenvolver conhecimento e capacitação tecnológica em áreas sensíveis, como a nuclear e a informática, foram obstaculizados sistematicamente pelos Estados Unidos, que ameaçaram e implementaram sanções comerciais unilaterais, ilegais, contra o Brasil, como ocorreu no caso da Lei de Informática.

50. Na área nuclear, é possível verificar como se procurou construir, metódica e midiaticamente, o “perigo” que representava a hipotética existência de uma corrida armamentista entre Brasil e Argentina. Idéia sem qualquer fundamento na realidade, devido ao estágio industrial incipiente dos programas nucleares em cada país, sendo que a mesma insuficiência se aplicava à área espacial. Aliás, o conflito militar entre Brasil e Argentina não teria motivações e causas profundas e, portanto, sua possibilidade prática era, em realidade, próxima de zero. As restrições americanas à transferência de bens e de tecnologia nuclear levaram, paradoxalmente, ao desenvolvimento da tecnologia nuclear pelos engenheiros e cientistas brasileiros e à fabricação gradual desses bens, o que viria a permitir o anúncio oficial do domínio completo tecnológico (mas não industrial) do ciclo nuclear, pelo Presidente Sarney, em 1988.

51. Ocorreram momentos de inflexão política devidos a cíclicas decepções: as elites tradicionais brasileiras entretinham, apesar de todos os reveses sofridos em suas esperanças neocoloniais, expectativas de cooperação com os Estados Unidos para obter tecnologia, para promover o desenvolvimento industrial, para expandir as exportações brasileiras. Faziam gestos e declarações e tomavam atitudes de alinhamento com as iniciativas políticas dos Estados Unidos e se defrontavam, na prática, a cada volta do caminho, com a reação de governos de diferente índole, com a sistemática recusa americana de cooperação, ou com sua relativa indiferença, resultado, aliás e inclusive, de um alinhamento político excessivo e subserviente aos Estados Unidos.

Hegemonia e política externa

52. Vivemos o momento em que se desenvolve a estratégia de transformar a inserção – política, econômica, tecnológica – no mundo através de uma nova ação do Brasil na América do Sul, na África, no Oriente Próximo e nos organismos internacionais, diante das Grandes Potências e na conquista de autonomia frente ao FMI. Esta estratégia foi conduzida pelo Presidente Lula, implementada pelo Chanceler Celso Amorim, escolhido pela mais importante revista americana de política internacional, a Foreign Policy, e por um dos três mais prestigiosos jornais americanos, o Washington Post, como a sexta mais importante personalidade do mundo, à frente de Hillary Clinton, Angela Merkel e de 92 outras personalidades, e com o auxílio do Assessor para Politica Internacional do Presidente Lula, o Professor Marco Aurélio Garcia. O momento atual é decisivo para o futuro do Brasil.

53. É indispensável para o Brasil manter a estratégia de reduzir a vulnerabilidade econômica externa, o que significa o controle dos fluxos de capital especulativo e o estímulo ao ingresso de capital produtivo; de reduzir a vulnerabilidade militar, o que significa o desenvolvimento de forças armadas modernas, adequadas, equipadas, adestradas e democráticas; de reduzir a vulnerabilidade política, o que significa lutar, com perseverança e serenidade, para obter um assento permanente no Conselho de Segurança, órgão central do sistema político e militar (tecnológico também) internacional, a cujas decisões o Brasil hoje tem de obedecer sem participar do processo de negociação que leva a sua adoção; de eliminar a vulnerabilidade tecnológica, que requer uma política de indução firme de transferência de tecnologia pelo capital estrangeiro, que para aqui vem atraído pelas perspectivas de lucro, e desenvolver no Brasil as tecnologias mais sofisticadas; de resistir aos esforços internos e externos que levam, na prática, a aumentar a vulnerabilidade de política econômica, resistência que significa a recusa de se deixar incluir, formal ou disfarçadamente, em qualquer bloco econômico-político que não o sul-americano, em troca dos “benefícios” desiguais de abertura assimétrica de mercados, acompanhados da redução de autonomia de instrumentos para promover políticas de desenvolvimento acelerado; de desenvolver nosso potencial humano, nossos recursos naturais e nosso capital, através da formação de um mercado de massas, de capacitação da mão-de-obra, do conhecimento dos recursos naturais, do fortalecimento de estruturas empresariais nacionais.

54. É necessário, prudente e proveitoso manter as melhores relações com as Grandes Potências, devido à sua importância no mundo em geral e para o Brasil em particular porém com fundamento nos princípios da igualdade soberana, da reciprocidade, da não-intervenção e da autodeterminação, sem jamais perder de vista que os interesses nacionais brasileiros, que são os de um país subdesenvolvido, porém de extraordinário potencial, não são idênticos aos interesses nacionais de cada uma das Grandes Potências em geral e, muito menos, daquela que é, de longe, a maior potência mundial, os Estados Unidos da América.

55. Uma política altiva, ativa, soberana, não-intervencionista, não-impositiva, não-hegemônica, que lute pela paz e pela cooperação política, econômica e social, em especial com os países vizinhos e irmãos sul-americanos, a começar pelos países sócios do Brasil no Mercosul, a quem nos une o destino comum, com os países da costa ocidental da África, nossos vizinhos igualmente, e com os países a quem somos semelhantes: mega-populacionais; mega-territoriais; mega-diversos; mega-ambientais; mega-energéticos; mega-subdesenvolvidos; mega-desiguais. Não podemos nos iludir. Nossos verdadeiros aliados são nossos vizinhos – daqui e de além-mar - com quem nosso destino político e econômico está definitivamente entrelaçado – e nossos semelhantes, os grandes Estados da periferia.

NOTAS
(1) “You have to pat them a little bit and make them think you are fond of them.” Secretary of State John Foster Dulles, 1953. In Schoultz, Lars: Beneath the United States: a History of US Policy Toward Latin America; Harvard University Press, 1998.

(2) “We tell developing countries about the importance of democracy, but then, when it comes to the issues they are most concerned with, those that affect their livelihoods, the economy, they are told: the iron laws of economics give you little or no choice; and since you (through your democratic political process) are likely to mess things up, you must cede key economic decisions, say concerning macroeconomic policy, to an independent central bank, almost always dominated by representatives of the financial community; and to ensure that you act in the interests of the financial community, you are told to focus exclusively on inflation – never mind jobs or growth; and to make sure that you do just that, you are told to impose on the central bank rules, such as expanding the money supply at a constant rate; and when one rule fails to work as had been hoped, another rule is brought out, such as inflation targeting”. Foreword by J. Stiglitz, in Polanyi, Karl: The Great Transformation; Beacon Press, 2001.



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