sábado, 13 de novembro de 2010

Blog do Zé: Banco Central e Dr. Meirelles, palavras, palavras, só isso...

Copiado do Blog do Zé Dirceu

Banco Central e Dr. Meirelles, palavras, palavras, só isso...
Publicado em 12-Nov-2010
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Henrique Meirelles
Uma ida do presidente do Banco Central (BC), dr. Henrique Meirelles, à Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional e, mais uma vez, ficamos sem nada de novo. Ele não escondeu sequer sua oposição a proposta do presidente Lula e do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de substituição do dólar como moeda de valor nas reservas e nas transações internacionais por uma cesta de moedas que inclua dentre outras o euro, o iene, o yuan e o real. O presidente do BC continua a discordar de políticas do presidente da República e do ministro da Fazenda! Inclusive da principal proposta que estes levaram à reunião do G-20 que se realiza ontem e hoje em Seul (Coréia do Sul).

Uma ida do presidente do Banco Central (BC), dr. Henrique Meirelles, à Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional e, mais uma vez, ficamos sem nada de novo. Ele não escondeu sequer sua oposição a proposta do presidente Lula e do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de substituição do dólar como moeda de valor nas reservas e nas transações internacionais por uma cesta de moedas que inclua dentre outras o euro, o iene, o yuan e o real.

O presidente do BC continua a discordar de políticas do presidente da República e do ministro da Fazenda! Inclusive da principal proposta que estes levaram à reunião do G-20 que se realiza ontem e hoje em Seul (Coréia do Sul).

Dr. Meirelles justifica sua discordância com o argumento de que, para viabilizar a proposta do ministro Mantega, não há um volume suficiente de outras moedas ou mesmo de DES - Direitos Especiais de Saque, a "moeda" usada contabilmente pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

"Seria algo desejável - concedeu - o proposto pelo ministro, mas para que isso aconteça teria de haver um acordo global. E teria de se criar um volume suficiente de DES. Uma coisa que limita o uso de outras moedas é o volume delas, não suficiente para que elas possam ser usadas e este problema do DES hoje."

Inflação, pretexto conjuntural


O grave, nisso, é que o câmbio deixou de ser um problema do BC e da política monetária e passou a ser a principal questão de nossa economia e do mundo nos próximos meses. Se não há ingenuidade de nossa parte, temos que deixar (principalmente o BC tem de deixar...) de tratar o câmbio como se não tivesse acontecendo nada no mundo - um mundo, registre-se com muita seriedade, onde o câmbio flutuante, na prática, deixou de existir.

Todos o manipulam, mas aqui no Brasil, só agora acordamos para isso. Apesar dos alertas e da obviedade de que não dava mais para continuar acreditando num câmbio flutuante puro e limpo, quando todos os países já praticavam o câmbio sujo.

Para mudar precisamos começar pelos juros, reduzindo a taxa Selic (10,75% hoje) e controlando os capitais, já que o custo do acúmulo de reservas (mais de US$ 275 bi cuja manutenção custa R$ 45 bi/ano) ameaça o equilíbrio fiscal e os investimentos públicos.

O problema é como fazê-lo com o dr. Meirelles apegado a um pretexto conjuntural para manter essa sua história de que a projeção de inflação do BC não dá margem para reduzir juros.
Foto: Valter Campanato/ABr

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O corajoso discurso de Franklin Martins


Lí no Blog do Miro:

Reproduzo a integra da intervenção do ministro chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom), apresentada na abertura do Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, em 9 de novembro:

Bom dia a todos vocês.

Em primeiro lugar, eu queria agradecer aos palestrantes dos diferentes
países, que vieram de tão longe aqui, para dividir conosco a experiência que
possuem de regulação de comunicações eletrônicas.

Queria agradecer a todos os participantes, entidades, personalidades,
parlamentares, agentes públicos, acadêmicos, organizações da sociedade civil
empresarial e não empresarial, que aqui estão presentes, e dizer que, para a
Secom, é motivo de uma grande satisfação realizar este seminário.

O mundo das telecomunicações vive, hoje, uma era de desafios e de enormes
oportunidades. O processo de digitalização, a internet, o processo de
convergência de mídias, tudo isso oferece extraordinárias possibilidades,
seja do ponto de vista da difusão da informação, seja do ponto de vista da
produção e difusão cultural, seja do ponto de vista da democratização de
oportunidades e do exercício da cidadania. Além disso, permite o
estabelecimento de uma economia de vastíssimas proporções e enormes
potencialidades, gerando crescimento, gerando emprego, gerando renda,
aumentando a arrecadação de impostos; em suma, organizando um importante
setor da economia, incidindo sobre o conjunto da economia uma sociedade de
informação e de conhecimento.

Algumas consequências desse processo são nítidas. Em primeiro lugar, os
custos de produção caem brutalmente, a digitalização permite que muitas das
atividades, feitas em outras plataformas, em outras bases tecnológicas,
antes, sejam feitas de forma muito mais barata, e isso abre enormes
possibilidades.

As fronteiras entre as telecomunicações e a radiodifusão vão se dissolvendo,
e isso gera grandes desafios. Até algum tempo atrás, era de um lado o
telefone, telefone era voz, não passava disso; do outro lado, você tinha a
radiodifusão. Hoje, cada vez mais, esse processo vai produzindo uma
interpenetração, gerando uma série de interrogações, uma série de
possibilidades, gerando uma série de riscos, mas, mais do que tudo, gerando
enormes possibilidades.

Eu costumo citar que a convergência. Costumo dizer que a convergência de
mídias é um processo inelutável, está em curso e ninguém vai detê lo. Por
isso mesmo é muito bom olharmos para frente, ao invés de ficar olhando para
o passado, olhar para trás. Olhar com nostalgia para o passado pode ser
muito interessante, do ponto de vista, vamos dizer, da pessoa se sentir bem,
rememorar coisas, etc., mas o futuro está ali e o futuro é a convergência de
mídia. Vou dar um exemplo para vocês. Isto aqui é uma televisão portátil, eu
recebo aqui um sinal aberto, gratuito, de radiodifusão e posso assistir
televisão aqui. Agora, esse mesmo aparelho se transforma em um celular, eu
recebo aqui televisão, um sinal numa tecnologia 3G, 3G e meio, 4G, ou o que
vier a aparecer, um sinal que pode ser gratuito, ou não, dependendo do
modelo de financiamento que a empresa tiver adotado. Evidente que o usuário
não vai ficar andando com dois aparelhinhos iguais. Esses dois aparelhinhos
viram um só, isso vale para a mobilidade, mas isso vale dentro de casa. Ou
seja, em pouquíssimo tempo, para o usuário, o cidadão, será absolutamente
indiferente se o sinal está vindo da radiodifusão ou está vindo das
telecomunicações.

Regular esse processo de convergência é um tremendo desafio e uma grande
necessidade para todo mundo, porque, sem regulação, não se estabelecem
regras claras, não há segurança de como atuar e, mais do que isso, não há
uma interferência da sociedade em como produzir um ambiente estável, um
ambiente com perspectiva e um ambiente onde os interesses da sociedade
prevaleçam sobre todos os demais.

Este seminário aqui, ele tem como objetivo recolher as experiências de
vários países, países democráticos, países com os quais nós mantemos
relações intensas, não só do ponto de vista econômico, mas do ponto de vista
cultural, do ponto de vista político, que são parceiros importantes do
Brasil, recolher as experiências de como eles estão regulando esse processo
de convergência de mídia. Ninguém tem um modelo pronto, que está dando
certo, que já resolveu tudo, não; está todo mundo, mais ou menos, sobre a
marcha, enfrentando os problemas que vão aparecendo. Acerta aqui, erra ali,
busca uma solução que se revela criativa, uma outra, que se pensava que era
criativa, se vê que não dá nada, bateu num muro. Mas são. Eles estão lidando
com isso e estão, de um modo geral, muito mais avançados do que nós, como
nós veremos a seguir.

Aprender com as experiências deles não é copiar a experiência deles; é ver
como eles lidaram com problemas semelhantes ao que nós estamos lidando aqui.
Semelhantes, não iguais. Semelhantes, não iguais. Então, aprender com as
experiências deles é importante para nós entrarmos nesse desafio de produzir
um novo marco regulatório para as comunicações eletrônicas, dentro desse
ambiente de convergência de mídia.

No Brasil, o nosso desafio é maior ainda do que estão enfrentando esses
outros países, porque aos desafios que são gerais, próprios das mudanças de
tecnologia, da introdução de novas tecnologias, etc., somam se desafios
peculiares, particulares nossos.

A nossa legislação é absolutamente ultrapassada. Isso não é segredo para
nenhum de vocês. A gente pode fazer discurso, pode dizer que já fez uma
mudancinha aqui, adaptou ali, mas cada um de nós, quando conversa com seus
botões e não com o microfone da televisão, sabe perfeitamente que a nossa
legislação é absolutamente ultrapassada. Para se ter uma ideia, o Código
Brasileiro de Telecomunicações, que é o que rege a radiodifusão em linhas
gerais, é de 1962 - 62 -, ou seja, televisão, não havia TV a cores, não
havia satélites, não havia rede; naquela época, havia mais "televizinho" do
que televisão no Brasil. "Televizinho", para quem não se lembra - a maioria
aqui não é daquela época - se chamava simpaticamente os vizinhos que vinham
assistir televisão na casa de quem tinha. Pois bem, havia mais "televizinho"
do que televisão. Nosso Código é dessa época. Ele não responde aos
problemas, é evidente. E acumularam se problemas imensos, que não foram
sendo resolvidos, que foram sendo encostados, que se fez uma gambiarra, fez
um gatilho(F). Olha, não é só em favela que se faz gambiarra para puxar TV
por assinatura, não. Nossa legislação é um cipoal de gambiarras, porque não
vem se enfrentando as questões de fundo.

A isso se soma uma outra coisa. Nossos dispositivos constitucionais sobre
comunicação, em sua maioria, não foram regulados até hoje. Ou seja, o
constituinte determinou uma série de questões e disse: "É preciso lei para
isso". Vinte e dois anos depois, o Congresso não votou lei alguma que
regulasse isso, alguma. Alguma não. Quando algumas empresas de comunicação
tiveram problemas de caixa - entende? -, aí se votou a lei que regulou a
questão do capital estrangeiro, porque era necessário capital com dinheiro
lá fora. Mas tirando isso, quando foi que se regulou a questão da produção
independente, da produção regional, da produção nacional, da desconcentração
das propriedades? Fica tudo ali na prateleira, fica tudo na cristaleira. Eu
acho que a hipocrisia é uma das piores coisas que pode haver na vida de uma
pessoa e na vida de um país. Se nós achamos que não vale a pena, nós não
queremos produção nacional, garantias para ela, nós não queremos garantia
para produção regional, nós não queremos garantia para que haja produção
independente, nós não queremos evitar a concentração excessiva da
propriedade. Se nós achamos tudo isso, nós devemos revogar essa
Constituição. Agora, isso está lá e isso exige ser regulamentado, e o
processo de regulamentação das comunicações eletrônicas é uma oportunidade
para isso e isso não pode ficar de fora.

Tudo isso produziu. Que, em muitos aspectos, o que eu estou falando não é
novidade para nenhum dos senhores que são do setor, que acompanham, sejam da
academia, de entidades empresariais, não empresariais, de legisladores,
criou se, na área de comunicação, uma situação que foi um pouco terra de
ninguém.

Todos nós sabemos que deputado e senador não pode ter televisão, mas todos
nós sabemos que deputados e senadores têm televisões, através de
subterfúgios dos mais variados. Está certo? É evidente que está errado. Por
que não se faz nada? Porque eu acho que a discussão foi sendo, o tempo todo,
contida, foi sendo, o tempo todo, evitada e, agora, é uma oportunidade para
que se rediscuta tudo isso. Mas isso. Eu vou dizer francamente aos senhores:
o principal não é olhar para trás; é aproveitar e se fazer aquilo que
devíamos ter feito, porque, fazendo isso bem feito, poderemos, ao mesmo
tempo, simultaneamente, olhar melhor para frente e, para frente, ser capaz
de legislar de uma forma mais permanente, mais flexível, mais capaz, mais
moderna, mais integradora, mais cidadã e mais democrática.

Isso tem de ser feito através de um processo de discussão público, aberto,
transparente.

Tudo bem que a gente converse em separado, todo mundo converse em separado,
mas a essência da discussão não é como tal grupo econômico ou tal setor faz
chegar seus pleitos, demandas, exigências, críticas, preocupações ao Poder
Público; é como todos levam isso abertamente, publicamente, de forma
transparente, na sociedade, e a sociedade escolhe e elege os caminhos que
deseja seguir. E isso, basicamente, no local definido constitucionalmente,
no local onde se produzem as leis, e pode ser choque dos interesses, palco
do choque dos interesses, que é o Congresso Nacional.

O governo federal, ao trabalhar para produzir um anteprojeto de um marco
regulatório, vê esse processo como um processo de discussão pública, aberta,
transparente, que não é rápida, é complexo o assunto, são sensíveis os
problemas, as reivindicações são grandes, os ressentimentos e os
preconceitos monumentais de tudo que é lado, os fantasmas passeiam por aí,
arrastando correntes e, muitas vezes, impedindo que a gente ouça o que tem
que ouvir. E isso só se dissolve num debate público aberto e transparente.
Eu acho que a nossa sociedade, apesar de alguns momentos de enorme tensão,
de fúrias mesquinhas, é uma sociedade com uma grande vocação para o
entendimento, para a discussão, para o debate, para acertar posições, e eu
acho que esse debate, se nós formos capazes de nos livrarmos dos fantasmas e
não deixarmos os fantasmas comandar a nossa ação, nós conseguiremos produzir
um clima de entendimento e avançaremos muito nesse sentido.

Isso interessa à sociedade. Essa discussão tem que ser travada frente a
frente com a sociedade, porque isso interessa à sociedade. Isso não é uma
discussão apenas sobre economia, sobre uma repartição de áreas ou cruzamento
de áreas entre grupos econômicos e setores; isso diz respeito à comunicação,
diz respeito à democracia, à criação de oportunidades, a uma sociedade de
informação e conhecimento, à participação política, à produção cultural, e,
para isso, a sociedade deve participar diretamente disso, e esse deve ser o
pano de fundo, em cima do qual se assentam as opções que o país terá de
fazer.

Quais são os princípios? Me perguntam muito: "Ah, mas como é que está? Vai
ser uma ou duas agências? Vai fazer isso ou vai fazer aquilo?". O governo
está discutindo internamente, suando para conseguir produzir algo, ainda
neste mandato, para entregar à presidente eleita, a Dilma Rousseff, para que
ela decida o que quer fazer, se quer abrir para consulta pública aquele
projeto ou se quer trabalhar mais em cima do projeto. Provavelmente é o que
ela fará e tal, ela terá um ponto de partida, mas fará. Eu dizia ontem, e
tenho dito: eu estou convencido de que a área de comunicação no governo da
presidente Dilma terá - eu vou fazer uma comparação -, mais ou menos, o
mesmo tratamento que teve a área de energia no primeiro mandato do Governo
Lula.

No primeiro mandato do Governo Lula, ou se estabelecia um marco regulatório
para energia, que desse perspectiva, condição de planejamento, segurança
jurídica, interferência da sociedade, que se criasse esse ambiente, para que
o investimento fosse retomado com a velocidade necessária, ou se produziriam
apagões em série. Se fez a modificação, se produziu um novo ambiente
regulatório, e o Brasil, penando, se livrou do fantasma do apagão. Diferente
é um dia cair uma torre, etc., mas o apagão, como carência da oferta de
energia, isso parou de existir. Por quê? Porque se criou um novo ambiente
regulatório e se definiu aquilo enquanto algo estratégico para o crescimento
da economia, naquele período. Comunicação é a mesma coisa agora: ou se
produz um novo marco regulatório ou nós vamos perder o bonde de uma área
crucial para o crescimento da economia e, mais do que o crescimento da
economia, para o exercício da cidadania, nos próximos 10, 20 anos, porque
não se chega lá de qualquer jeito, não se chega lá só com o mercado
empurrando de qualquer jeito; é necessário debater, discutir, traçar
políticas públicas, fazer regulação para que as políticas públicas sejam
aplicadas e, em função disso, criar um ambiente que permita o investimento e
permita que a sociedade se sinta portadora de direitos, não só como
usuários, mas como cidadãos.

Isso é especialmente importante. Então, o que eu quero dizer é o seguinte:
precisamos de uma discussão aberta, pública, transparente, sobre isso. E eu
queria convidar a todos os senhores a - na medida do possível, eu sei que
isso não é fácil - deixar os seus fantasmas no sótão, que é onde eles se
sentem melhor. Os fantasmas, quando dominam as nossas vidas, de um modo
geral, nos impedem de olhar de frente a realidade. Passa uma criança
brincando, você não percebe como aquilo é lindo; passa uma mulher bonita -
no meu caso -, você não olha, porque você está com os fantasmas na cabeça.

Eu queria dizer aos senhores o seguinte: há crianças brincando, há mulheres
bonitas, há situações interessantes, há possibilidades extraordinárias, há
disposição política, mas os fantasmas não podem comandar o processo. Se
comandarem, nós perderemos uma grande oportunidade. Se comandarem, nós não
criaremos um ambiente de entendimento, mas perseveraremos num ambiente de
confrontação, e isso não é bom para ninguém. Vamos nos desarmar, não da
defesa dos interesses de cada grupo, evidente, de cada setor, continuarão
defendendo, mas vamos nos desarmar. Isso é muito concreto. Nenhum setor,
nenhum grupo tem poder de interditar a discussão; a discussão está na mesa,
está na agenda, ela terá de ser feita, ela pode ser feita, num clima de
entendimento ou num clima de enfrentamento. Eu acho que é muito melhor fazer
num clima de entendimento.

Eu vou repetir para vocês algo que eu falei na comissão organizadora da
Conferência Nacional de Comunicação, quando determinadas entidades
resolveram se retirar - um direito legítimo delas - da organização daquele
processo, achando que estavam tomando caminhos. Eu acho que eles estavam
equivocados, mas não quero discutir, isso é passado, eu estou olhando para
frente, quero deixar bem claro. Mas eu vou repetir o que eu disse para eles:
o governo federal tem consciência de que, nesse processo de convergência de
mídias, é preciso dar uma proteção especial à radiodifusão, e não faz isso
porque tem nenhum acerto, não; faz isso porque tem sensibilidade social, tem
a sua opinião, que tem sensibilidade social. O sinal da radiodifusão é um
sinal aberto, gratuito, que chega a todo mundo, e, em um país que, apesar
dos enormes progressos dos últimos anos, ainda tem uma percentagem da
população miserável, ou uma grande percentagem da população pobre, ter um
sinal de radiodifusão aberto, gratuito, em todo o território nacional, que
chega a todos, é de extrema relevância.

Então, temos essa sensibilidade, temos a vontade de encontrar, dentro desse
cipoal, que é o processo de convergência de mídias, caminhos que produzam
isso. E eu vou dizer o que eu disse, naquele dia, aos representantes das
organizações que tinham decidido se retirar: se não houver pactuação, se não
houver um processo de discussão público, aberto e transparente, que coloque
na mesa os interesses de cada um, legítimos, e se resolva eles à luz dos
interesses nacionais, quem vai regular não é o debate, é o mercado. Não é o
Congresso. Quem vai regular é o mercado. E, quando o mercado regula, quem
ganha é o mais forte.

A radiodifusão. Aquilo foi em 2008, o episódio, e eu disse a eles. A
radiodifusão tinha faturado, naquele ano, no ano anterior. Aliás, foi início
de 2009. No ano de 2008, ela tinha faturado como um todo, o setor como um
todo, no Brasil, 11,5 bilhões. O setor de telecomunicações, no ano de 2008,
tinha faturado, em todo o Brasil, 130 bilhões. Esses números, se eu não
estou errado, evoluíram, no ano de 2009, para 13 bilhões e um quebrado, para
a radiodifusão, e algo próximo de 180 bilhões para as telecomunicações. Ou
seja, a grosso modo, o faturamento, hoje em dia, das teles, o setor de
telecomunicações é 13 a 14 vezes maior do que o faturamento da radiodifusão,
e aí vale rádio, rede nacional de televisão, rádio do interior, todo mundo,
pelo menos o declarado. É evidente que, se não houver regulação, se não
houver a criação de mecanismos que entendam a importância da radiodifusão e
sua importância social no país, ela será atropelada pelas telecomunicações.
Eu costumo dizer que será atropelada por uma jamanta. Isso não é bom para o
país. Isso não é bom para o povo brasileiro, isso não é bom para a pessoa de
classe C, D e E, que não têm condições de ter acesso a outro tipo de
comunicação eletrônica, que precisa daquilo. Por isso mesmo a regulação deve
entrar nisso. Mas reparem só: para entrar, nós temos que entrar na
discussão. Não dá para dizer: "Eu vou interditar toda outra discussão, e
essa daqui eu quero". Isso não existe. Aqui entre nós, ninguém é tão forte
assim no Brasil para isso, nem o governo federal, nem o setor de teles, nem
a radiodifusão, nem academia. Ninguém é tão forte. Nós precisamos sentar na
mesa e conversar, sentar na mesa e conversar, e produzir, no local onde se
votam e aprovam as leis, que é o Congresso Nacional, um texto que seja capaz
de fazer um novo ambiente regulatório, um ambiente de convergência de mídias
extremamente complexo, em mutação permanente. Que nós sejamos capazes de
fazer isso.

Entre os fantasmas, talvez o fantasma mais renitente, o fantasma que mais
aparece, o fantasma mais garboso dessa discussão toda, seja a tese de que
regulação é sinônimo de censura à imprensa. O Governo Lula já deu provas
suficientes do seu compromisso com a liberdade de imprensa, e deu em
condições onde não teve a imprensa a seu favor. Na época do pensamento
único, era fácil. Eu quero ver ser a favor da liberdade de imprensa,
apanhando dia e noite da imprensa, muitas vezes sem amparo nos fatos, muitas
vezes movido apenas pelo preconceito, muitas vezes movido apenas pela
posição política desse ou daquele órgão, etc. e tal. Nenhum problema com a
liberdade de imprensa, nenhum problema. O Brasil goza de absoluta, de
irrestrita liberdade de imprensa.

Da minha parte, eu, como jornalista, e eu, como militante político, já aos
14, 15 anos, lutava contra a ditadura, faço parte de uma geração que cresceu
ansiando por liberdade de imprensa, aprendeu o seu valor. Eu não estou entre
aqueles que lutou [contra] a ditadura em algumas circunstâncias; eu lutei
contra a ditadura do primeiro ao último dia da ditadura, lutei pela
liberdade de imprensa do primeiro ao último dia da ditadura. Então a
liberdade de imprensa não é algo que é uma circunstância que politicamente
me convém ou não convém; é como eu digo, é algo que vem da alma.

Então, essa história que a liberdade de imprensa está ameaçada, isso é uma
bobagem, isso é um fantasma, isso é um truque, porque isso não está em jogo.
É importante qualificar. A liberdade de imprensa é a liberdade de imprimir.
Ou seja, antigamente, quando não existia rádio, quando não existia
televisão, a liberdade de imprensa significava o direito que cada pessoa que
publicava um jornal tinha de imprimir o que quisesse. Hoje em dia, ela é
mais ampla do que a liberdade de imprimir; ela é a liberdade de divulgar,
porque também entra em meios. Não papel, não fita, que, cada vez mais, a
liberdade de imprensa significará liberdade de divulgar, publicar. A essa
liberdade não deve, não pode, não haverá qualquer tipo de restrição. Mas
vamos com calma. Isso não significa que não pode ter regulação na sociedade.
Eu estou seguro. Os senhores ouvirão o relato das experiências dos
diferentes países, todas democracias. Os Estados Unidos é uma democracia, é
uma democracia. O Reino Unido é uma democracia. Nossa República "hermana" da
Argentina é uma democracia. Portugal é uma democracia. Espanha é uma
democracia. Europa é uma democracia. Em todos eles há regulação de meios
eletrônicos, e isso não significa, por nada, que haja censura. Gostaria
muito que os senhores, quando houver a fase das perguntas, perguntassem
muito, aqui, aos expositores, se a liberdade está ameaçada lá, porque existe
regulação.

Então, isso é uma discussão que é um fantasma. Ele entra na discussão, na
verdade, para não se entrar na discussão. E é isso que eu acho que nós
deveríamos, nesse debate, tentar ultrapassar e ir muito além disso. É
verdade o seguinte: liberdade de imprensa. Eu acho que, às vezes, é essa a
confusão que eu acho que existe. Não quer dizer que a imprensa não pode ser
criticada, que a imprensa não pode ser observada, que a imprensa não pode
ser alvo de críticas de quem quer que seja. Todos nós somos alvos de
críticas. Aliás, quando temos uma atitude madura diante das críticas, de um
modo geral, melhoramos com elas. Isso vale para nossa vida doméstica, vale
para nossa vida profissional, vale para as empresas que alguns de vocês
dirigem, vale para países, vale para o Presidente da República, vale para o
Papa. Ou seja, quando somos criticados e olhamos as críticas sem
preconceito, em geral, melhoramos com ela. Elas podem ser verdadeiras, podem
não ser, mas isso é parte do jogo.

Liberdade de imprensa, volto a dizer - já disse isso várias vezes - quer
dizer que a imprensa é livre, não quer dizer que a imprensa é
necessariamente boa. A imprensa erra, erra muito. Eu, como jornalista, sei
que a imprensa erra muito, qualquer jornalista que está aqui sabe que a
imprensa erra muito. Os leitores, telespectadores, ouvintes sabem que a
imprensa erra muito, e, de um modo geral, é capaz de distinguir, de separar,
o erro cometido de boa fé, no afã de produzir a tempo uma informação para
ser entregue ao público, da manipulação da notícia, que é produzir com
qualquer outra intenção, mas estão sendo submetidos às críticas dos
telespectadores, dos ouvintes, dos leitores, todos os órgãos de imprensa,
que também podem ser submetidos à crítica por outros órgãos de imprensa. A
imprensa no Brasil, nos tempos heróicos, era um cacete só entre os jornais,
eles brigavam o tempo todo. Isso não dizia que não havia liberdade de
imprensa; dizia que havia liberdade de imprensa.

Então, a crítica a erros da imprensa, a crítica à manipulação que certos
órgãos eventualmente venham a fazer, isso faz parte da disputa política, e a
liberdade de imprensa não está arranhada, quando alguém crítica um órgão ou
outro da imprensa; ao contrário, isso faz parte do ambiente democrático, e
com ele se deve aprender a viver e, se possível, aprender a melhorar.

Eu acho que, se nós formos capazes de entender isso, nós vamos ter mais
vozes se expressando, porque o que se quer não é. Onde tem liberdade de
imprensa se quer mais liberdade de imprensa; onde se tem algumas vozes
falando se quer é mais vozes falando; onde tem opiniões se expressando, no
debate público, se quer é mais opiniões se expressando no debate público;
onde se tem artistas e pessoas do povo, produzindo cultura, o que se quer é
mais artistas e mais gente do povo produzindo cultura. É "mais" e não
"menos" que está em jogo, neste debate sobre o novo marco regulatório.

Então, eu queria, para finalizar, novamente, agradecer a todos os senhores,
agradecer especialmente aos palestrantes que vieram de tão longe aqui, para
nos brindar com a sua experiência. Estou seguro de que ela nos ajudará
muito, ajudará muito, não apenas ao governo, mas a toda a sociedade
brasileira, a travar, de uma forma madura, um debate que já custou muito a
chegar e que precisa ser travado o quanto mais cedo possível.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Marco regulatório vs. liberdade da imprensa



DEBATE ABERTO
Marco regulatório vs. liberdade da imprensa

Regular a mídia é ampliar a liberdade de expressão, a liberdade da imprensa, a pluralidade e a diversidade. Regular a mídia é garantir mais – e não menos – democracia. É caminhar no sentido do pleno reconhecimento do direito à comunicação como um direito fundamental da cidadania.

Venício Lima


Em entrevista concedida ao Jornal da Band, no último dia 2/11, a presidente eleita Dilma Rousseff tentou esclarecer, pela undécima vez, uma diferença que a grande mídia e seus aliados têm ignorado e, arriscaria a dizer, deliberadamente confundido: marco regulatório da mídia não tem nada a ver com qualquer restrição à liberdade da imprensa.

Diante da inescapável pauta sobre as "ameaças à democracia e à liberdade de expressão e de imprensa" que o país estaria enfrentando, o apresentador, Fábio Pannunzio, pergunta:

Apresentador – Esse é um assunto que, apesar de a senhora ter falado mil vezes disso, ainda não ficou claro o suficiente para que as pessoas possam entender. Então, vou insistir na pergunta. A senhora disse no seu discurso de anteontem [31/10] que prefere o barulho de uma imprensa livre ao silêncio das ditaduras, não é? A senhora estava se referindo a isso que se atribuí ao PT, que há uma tentativa de controlar a liberdade de imprensa no Brasil? (...)

Presidente eleita – Veja bem, você tem de distinguir duas coisas: marco regulatório de um controle do conteúdo na mídia. O controle social da mídia, se for de conteúdo, ele é um absurdo! É, de fato, um acinte à liberdade de imprensa, com esse acinte eu não compactuo. Jamais compactuarei.

Apresentador – A senhora vetaria se chegasse à sua mesa?

Presidente eleita – Se chegar na minha mesa qualquer tentativa de coibir a imprensa, no que se refere a divulgação de ideias, posições, propostas, opiniões, enfim, tudo que for conteúdo, eu acho que é isso que eu falei mesmo, o barulho da imprensa , seja que crítica for, ele é construtivo. Mesmo quando você discorda dele. Agora, isso não é um milhão de vezes, é infinitas vezes melhor que o silêncio das ditaduras. Isso é uma coisa.

Outra coisa diferente é a questão do marco regulatório. Porque o marco regulatório é outra questão. Vou tentar explicar, com alguns exemplos.

Apresentador – Para que a gente consiga entender, exatamente, a questão.

Presidente eleita – Com exemplos. Por exemplo: a participação do capital estrangeiro. Você tem todo o país regulamenta a participação do capital estrangeiro nas suas diferentes mídias. Outra questão, que é importantíssima, é o fato de que o mundo está mudando em uma velocidade enorme. Então, você vai ter de regular, de alguma forma, a interação entre as mídias, porque, hoje, quem faz isso não pode fazer aquilo, que não pode fazer aquele outro. O problema do cabo, o problema do sinal aberto, como é que junta tudo isso com internet; mesmo assim eu acho que a gente tem de ter muito cuidado.

Você tem de fazer um marco regulatório que permita que haja adaptações ao longo do tempo. Por quê? Porque, eu não sei se você lembra, em 80, nos anos 80, 90, a telefonia fixa era uma potência. Cada vez mais, com a base da internet, você tem a possibilidade, em cima da internet, de ter TV, telefonia, celular, enfim. O mundo está mudando, então até isso você vai ter de considerar. Você não pode ter, também, um marco regulatório que desconheça a existência da banda larga. E se você vai poder, ou não vai poder, fazer televisão, em que condições você vai fazer televisão. Isso o Brasil vai ter de regular minimamente, até porque tem casos que, se você não fizer isso, você deixa que haja uma concorrência meio desproporcional entre diferentes organismos.

Apresentador – Ok, muito obrigado pela resposta.

[Curiosamente essa parte da entrevista não consta do vídeo disponibilizado no site do Jornal da Band]

Confusão deliberada

Um marco regulatório se refere à regulação do mercado de mídia e à garantia de direitos humanos fundamentais. A regulação é necessária para impedir a propriedade cruzada e a concentração do controle nas mãos de umas poucas famílias e oligarquias políticas; garantir competição, pluralidade e diversidade. Para impedir a continuidade do "coronelismo eletrônico"; garantir o direito de resposta, inclusive o direito difuso, e o direito de antena. Em particular, marco regulatório se refere à radiodifusão (como se sabe, mas é sempre bom relembrar, uma concessão pública) e às novas tecnologias (internet, banda larga, telefonia móvel etc.).

Como diz a célebre frase do juiz Byron White da Suprema Corte dos Estados Unidos, "é o direito dos telespectadores e ouvintes, não o direito dos controladores da radiodifusão, que é soberano".

É disso que se trata.

Pergunto ao eventual leitor(a) se ele acredita que em democracias como os Estados Unidos, a Inglaterra, a França, a Alemanha, Portugal, Espanha – para citar apenas alguns –, a liberdade da imprensa vive sob permanente ameaça? A comparação faz sentido no atual contexto brasileiro porque esses são países onde existe, há décadas, marco regulatório para o campo das comunicações, vale dizer, regulação da mídia.

A legislação ignorada

No Brasil, tanto a lei quanto a Constituição são cristalinas sobre a necessidade de fiscalização e regulação das concessões de radiodifusão. Ademais, os avanços tecnológicos das últimas décadas, que têm como marco a revolução digital e provocaram a chamada "convergência de mídias" pela diluição das fronteiras entre as telecomunicações e a radiodifusão, tornaram inevitável a regulação do setor.

Mais uma vez: é disso que se trata.

O Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962) prevê no seu artigo 10:

Art. 10. Compete privativamente à União:

II – fiscalizar os Serviços de telecomunicações por ela concedidos, autorizados ou permitidos.

Além disso, o código admite a punição para o caso de abusos de concessionários. Está escrito na lei:

Art. 52. A liberdade de radiodifusão não exclui a punição dos que praticarem abusos no seu exercício.

Art. 53. Constitui abuso, no exercício de liberdade da radiodifusão, o emprêgo dêsse meio de comunicação para a prática de crime ou contravenção previstos na legislação em vigor no País, inclusive: (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 236, de 1968)

Alguns exemplos de abusos citados na Lei:

e) promover campanha discriminatória de classe, côr, raça ou religião; (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 236, de 1968)

(...)

g) comprometer as relações internacionais do País; (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 236, de 1968)

Por outro lado, o Decreto n. 52.795 de 1963, que regulamenta os serviços de radiodifusão, antecipa normas e princípios que seriam, mais tarde, incorporados à Constituição de 1988. Está lá:

Art. 28 – As concessionárias e permissionárias de serviços de radiodifusão, além de outros que o Governo julgue convenientes aos interesses nacionais, estão sujeitas aos seguintes preceitos e obrigações: (Redação dada pelo Decreto nº 88067, de 26.1.1983)

11- subordinar os programas de informação, divertimento, propaganda e publicidade às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão;

12 – na organização da programação:

a) manter um elevado sentido moral e cívico, não permitindo a transmissão de espetáculos, trechos musicais cantados, quadros, anedotas ou palavras contrárias à moral familiar e aos bons costumes;

b) não transmitir programas que atentem contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico;

c) destinar um mínimo de 5% (cinco por cento) do horário de sua programação diária à transmissão de serviço noticioso;

d) limitar ao máximo de 25% (vinte e cinco por cento) do horário da sua programação diária o tempo destinado à publicidade comercial;

e) reservar 5 (cinco) horas semanais para a transmissão de programas educacionais.

Por fim, a Constituição de 1988, prevê, especificamente, leis federais para a regulação de diferentes aspectos das comunicações, assim como a instalação de um Conselho para auxiliar o Congresso Nacional em qualquer assunto relativo ao capítulo "Da Comunicação Social".

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

(...)

§ 3º – Compete à lei federal:

I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;

II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

§ 4º – A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

§ 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.

(...)

Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Art. 222. (...)

§ 3º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 36, de 2002)

(...)

Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.

(...)

Art. 224. Para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.

Direito à comunicação

Como disse a presidente eleita, há que se distinguir "marco regulatório de um controle do conteúdo na mídia". Quem os confunde está, de fato, querendo evitar a regulação do mercado e a perda de privilégios históricos.

Insisto: regular a mídia é ampliar a liberdade de expressão, a liberdade da imprensa, a pluralidade e a diversidade. Regular a mídia é garantir mais – e não menos – democracia. É caminhar no sentido do pleno reconhecimento do direito à comunicação como um direito fundamental da cidadania.

É disso que se trata.

Venício A. de Lima
é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010.

O triste fim de FHC




Promotor e intérprete de uma ambição exagerada para um pássaro que não voa.

Por Mino Carta.


Quem já leu um livro de Fernando Henrique Cardoso? É a pergunta que às vezes dirijo à plateia que, generosa além da conta, acompanha uma palestra minha. Que levante o braço quem leu. De quando em quando, alguém acena ao longe, por sobre e em meio a uma fuga de cabeças imóveis. Trata-se, obviamente, de uma pesquisa rudimentar. Tendo a crer, porém, que o príncipe dos sociólogos e ex-presidente não é tão lido quanto os jornalistas tucanos supõem.

É grande, isto sim, o número daqueles que lhe atribuem acertadamente a chamada “teoria da dependência”, objeto do ensaio escrito no Chile em parceria com o professor Enzo Falletto. Ali está uma crítica inexorável da burguesia nativa, incapaz, segundo a dupla de ensaístas, de agir por conta própria para tornar o Brasil um país contemporâneo do mundo.

Muitos anos após a publicação do livro, quando FHC ocupava a Presidência do País, eu me atrevi a perguntar aos meus botões se ele não estaria a provar a célebre teoria. Teria a oportunidade de demonstrar na prática seu teorema, pelo qual o Brasil é inescapavelmente destinado ao papel de dependente. Dos Estados Unidos, está claro. Ninguém como o presidente Fernando Henrique entendeu ser inevitável, ineludível, imperioso, cair nos braços do colega americano, no caso Bill Clinton.

Não me permito aventar a hipótese de que o nosso herói agiu em benefício próprio. Atendeu, legitimamente, isto sim, às suas convicções. A operação revela uma extraordinária habilidade política, a refletir seu incomum poder de sedução. A burguesia nativa encantou-se com aquele que recomendava o esquecimento de seu próprio passado, incapacitada, talvez, à comparação entre a teoria da dependência e a ação do presidente tucano, enquanto Bill escancarava os braços e oferecia o abrigo do ombro possante. Nem se fale do deleite da mídia: eis o presidente intelectual que o mundo nos inveja.

FHC é um encantador de serpentes. Plantou-se sobre o pedestal da estabilidade, obtida de início com a URV, enfim com o real, mérito indiscutível, premissa de progressos em espiral, que se renovam em uma espécie de estação de colheitas cada vez mais apressadas.

Trunfo notável, traído com a reeleição alcançada pela via da compra de votos para concretizar a emenda constitucional, e conduzida na campanha de 1998 à sombra da bandeira da estabilidade rasgada exatos 12 dias após a posse. Tanto em 94 quanto em 98, o obstinado Sapo Barbudo foi o adversário fadado à derrota, graças, inclusive, ao apoio maciço da mídia dos ainda influentes barões de longa vida e dos seus obedientes sabujos. Dá-se, inclusive, naquele 1998 vincado pela crise russa, um fenômeno peculiar: os patrões da mídia nativa passam a acreditar não somente nas promessas do seu candidato à reeleição, mas também nos seus colunistas que tão sofregamente o sustentam. Uma vez reeleito, FHC desvaloriza o real e deixa os senhores de tanga.

A Lula, vencedor em 2002, FHC entrega um país economicamente à deriva. O tucanato chegara ao poder oito anos antes com o propósito de ficar ali por duas décadas. Muita ambição, talvez, para um pássaro que não voa. Tenho uma lembrança pré-tucana que me vem à mente, remonta a 28 anos atrás. Acompanho André Franco Montoro na sua campanha à governança de São Paulo, na ocasião pela zona canavieira do estado. Chegamos a Rafard quando já caía a noite e a caçamba de um caminhão se dispôs a ser palanque nas bordas da cidadezinha.

Eu estava a bordo, do alto via aquela plateia de rostos iluminados obliquamente e ouvia a brisa ciciar em meio ao canavial que nos cercava. A sequência dos oradores previa também a fala de FHC e, ao cabo, aquela de Montoro. Quando o então suplente de senador tomou a palavra, Mário Covas veio sentar-se ao meu lado na amurada do convés. A cada período do discurso, olhava-me com cumplicidade e meneava a cabeça em desalento. Nunca esqueci aquele momento e quando o senador em lugar de Montoro, líder da cisão peemedebista criadora do tucanato, deixou-se encantar pelo convite de Fernando Collor e por sua própria, incomensurável vaidade, melhor entendi o comportamento de Covas na noite de Rafard.

Sua confiança no companheiro valia zero. E foi como se saísse da amurada e se chegasse ao orador garboso ao dizer com todas as letras, oito anos depois: “Se você for para o governo de Collor, eu saio do partido e trato de mandá-lo a pique”. FHC tirou o time de campo. Covas sabia ser persuasivo, e teve a ventura de não assistir ao desastre de 2002, a primeira derrota de José Serra.

Outro episódio para mim marcante tem 30 anos e alguns meses. Estamos a viver a última grande greve dos operários de São Bernardo e Diadema, comandada pelo presidente do sindicato, Luiz Inácio, melhor conhecido como Lula. Vou frequentemente ao estádio da Vila Euclydes para viver de perto aquela situação, e um dia Raymundo Faoro, o amigo que hoje me faz falta, liga e diz: “Quero ver também”. Veio a São Paulo e no aeroporto, quando fui buscá-lo, fomos interceptados por um emissário de FHC. O senador gostaria muito de se encontrar conosco a caminho do estádio. Faoro disse está bem.

Houve um café servido em xícaras de porcelana, e então o príncipe dos sociólogos iniciou a sua peroração a favor do nosso distanciamento daquela imponente manifestação dos grevistas. O segundo ato foi encenado no salão nobre do Paço Municipal de São Bernardo, precipitado pelo mesmo motivo. “Sou um jornalista – disse eu – esta conversa para mim é tempo perdido.” Faoro não disse nada. Levantamos e fomos ao palanque de Lula. Foi quando o autor de Os Donos do Poder e o líder sindical se conheceram. Refleti sobre as razões de FHC: por que pretendia impedir que Faoro fosse ter com Lula? Permito-me a seguinte conclusão: pelo jurista e historiador nutria turvos ciúmes intelectuais, pelo líder operário algo mais que a premonição de uma inevitável rivalidade. Tratava-se de um confronto já latente.

Como amiúde acontece com fanáticos da ambição, o instinto da rivalidade está sempre preparado para o bote. Qual seria, exatamente, a primeira corda da relação Fernando Henrique-José Serra? Digo, do ângulo daquele. De grande ami zade, é a resposta oficial. E nos bastidores das intimidades mais recônditas, até mesmo inconfessáveis? Não duvido que a amizade de FHC por Serjão Motta fosse autêntica, totalmente sincera. Pois Serjão era um ser amoitado por natureza, provavelmente o mais sábio do terceto. Não tinha o menor interesse em sair à luz do sol para se exibir. Com Serra, parece-me fácil imaginar que a amizade de FHC seja agulhada pela rivalidade. Latejante.

Eis dois modelos de ambição diferentes, de certa forma opostos, pelo menos sob certos aspectos. Por exemplo. Ambos são hábeis em trabalhar à sombra, em manobrar por baixo dos panos. FHC, contudo, sabe como manter intacto este fluxo subterrâneo. Serra, talvez por causa da origem calabresa, às vezes não se contém e mostra a cara. FHC faz questão de aparentar tolerância e bonomia, mesmo em relação a quem abomina, como convém ao político matreiro a explorar os sentimentos alheios ao montar o ardil que irá engolir quem confiou em excesso. Serra é, para o mal de seus desenhos, de cultivar ressentimentos e rancores. Ódios precipitados, quando não daninhos para ele mesmo.

Nesta rivalidade se esvai o PSDB. A ambição transbordante, evidente demais, afastou ambos de uma liderança sábia e até arguta como a de Ulysses Guimarães. Depois de ter assustado fatalmente Tancredo Neves, que os quis longe do governo destinado a sobrar para José Sarney. Cogitado para o Planejamento, Serra só teve espaço em São Paulo. FHC, que Tancredo definia como “o maior goela da política brasileira”, não foi além de um cargo inútil no Congresso.

Vanitas, vanitatum, diziam os latinos ao se referir à vaidade. Não é por acaso que o PSDB, nascido do inconformismo em relação à linha peemedebista que a tigrada tinha como muito branda, acaba por assumir, tardia e desastradamente, e empurrado pela presença de Lula, o papel da UDN velha de guerra. O enredo é impecável na moldura da deplorável trajetória da esquerda brasileira. É uma história escrita por um punhado de verdadeiros, digníssimos heróis, crentes alguns até as últimas consequências, e por uma armada de cidadãos inconsequentes, quando não oportunistas. Tal é a minoria branca, como diz Cláudio Lembo. Descrentes de tudo, muitos até sem se darem conta de sua descrença porque incapazes de perceber seus impulsos mais fundos.

Magistral a entrevista de FHC ao Financial Times publicada às vésperas do primeiro turno. Dizia ele que, em caso de vitória de Dilma Rousseff, o desenvolvimento do Brasil seria “mais lento”. Confrontado com aquele do governo Lula ou do seu? Se for com este, podemos vaticinar um futuro terrificante. No tempo de FHC, o índice anual de crescimento não passou de 2,5%. Em matéria de desfaçatez, a entrevista é digna do Guiness. “Eu fiz as reformas – afirma o rei da cocada preta –, Lula surfou na onda.” Então, por que é o presidente mais popular da história? Culpa do próprio PSDB, dos companheiros incompetentes, “entenderam errado”, permitiram “a mitificação de Lula”, o qual, embora nascido da classe trabalhadora “portou-se como se fizesse parte da velha elite conservadora”.

Quem serviu à velha elite conservadora, foi o presidente FHC, que confirmou o Brasil como quintal dos EUA e o atrelou ao neoliberalismo. O confronto entre os dois governos é inevitável, bem como entre a repercussão internacional de um e de outro. Ocorre-me imaginar como há de roer as entranhas do príncipe dos sociólogos constatar que o metalúrgico teve mundo afora, com sua política independente, o reconhecimento que lhe faltou, a despeito de sua política dependente.
E nas suas últimas falas, FHC age no seu melhor estilo, é o náufrago que exige lugar no bote salva-vidas em lugar de crianças, mulheres e velhos. São estes, aliás, os culpados pelo naufrágio, donde o privilégio lhe cabe. Quanto a José Serra, que afogue.


Mino Carta


Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde. redacao@cartacapital.com.br

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